Como em Paris...

Ela já se perguntara muitas vezes por que motivo, apesar de
todo o amor, tudo tinha acabado desta maneira.
Não sem luta, nem de repente, mas de uma maneira insidiosa, triste e sem
jeito de se evitar.
Não encontrava resposta. Talvez porque o amor tinha sido
sustentado por alguma coisa que era mais finito e passageiro do que o tempo
deles. Talvez porque o amor deles tivesse beleza mas não possuísse a alma dos
dois. Ela não tentava mais saber nem de si mesma. Aquele, era um daqueles dias
em que o mundo parecia ter parado e ela, nem se importava. Não era mais
possível recomeçar, apenas seguir em frente.
Então, o seu amor veio. Sem lhe pedir licença, andou pela
casa dela a procurar e quebrar espelhos, quando os encontrava. E quebrou todos,
menos um.
Já estava começando a escurecer. Ela devia estar sonhando
acordada...só podia ser. Foi acender as
luzes. Ele a deteve. Levou-a de fronte ao único espelho que deixara restar na
casa. Ela não queria olhar. Já sabia que se tornara uma estranha e que o amor
não podia mais existir - faltava-lhe sua juventude, o que o sustentara até
então. Por isto, virou o rosto.
Com mãos firmes, ele a sacudiu um pouco pelos ombros, como
para acordá-la de um pesadelo. Quem era este homem? Então, ela olhou primeiro
para o rosto dele e viu que ele a olhava.
O último clarão do sol entrou pela janela, refletiu no
espelho. Era a mesma luz dourada que clareia intensamente tudo, antes que o sol
se vá e deixe a sombra anunciar de vez, a noite. A luz refletiu em seus olhos e
impediu-a de enxergar. Finalmente ela viu. No olhar dele viu tanto amor e
cuidado, que o medo se desfez.
Devagar, foi descendo o olhar até encontrar-se com um rosto
mais abaixo do dele... era o seu. Não conseguiu encarar o próprio olhar. Como é
difícil olhar para si mesma quando se sente que o tempo nos escapou! Desviou o
rosto, quis afastar-se dali. E ele a sacudiu levemente, de novo.
Surpresa pela insistência dele, olhou-se. Seus olhos
encontraram-se com os daquela outra, que era ela. Que pena, pensou, o que posso
oferecer agora? A juventude pela qual eu fui amada, se foi para sempre!
Ele, que nunca antes tinha amado aquela mulher, aproximou
seu corpo ao dela. Virou-a de encontro a si e a abraçou. Por que ela não
confiava nele? Ela encostou o rosto em seu peito, ouviu seu coração, sentiu seu
calor. Fechou os olhos. Só pode ser sonho, pensou.

Quando abriu os olhos, já tinham sido apenas um, respirado o
mesmo ar, experimentado o mesmo sabor de
vida e de amor.
Sorriu para ele. Sim, ele estava lá. E ainda queria estar ao
lado dela. O amor assim, como fora experimentado, sem espelhos, com cuidado,
trazia em si a alma dos dois. No início, entregaram-se como se só aquele
momento houvesse. Mais tarde, deixaram-se levar pelo desejo de descobrir,
reconhecer os limites, percorrer a pele um do outro como se só assim fosse
possível se misturarem e depois, ainda se adorar... e foi na brandura de um
crescente carinho que, desta vez se fez o amor entre eles, sem pressa, porque
queria ser eterno.
No escuro, corpos nus, como se a juventude nunca os tivesse
deixado, e antes de perceberem que se amariam para sempre, foram até a janela.
Ela lembrou-se de uma noite em Paris, um sonho que parecia distante...
Lá fora, nada mais podiam ver com detalhes, porque a noite
havia chegado, mas juntos olhavam, e viam o mundo todo iluminado.
Texto: Vera Alvarenga
Fotos: retiradas do Google imagens.