quarta-feira, 30 de março de 2016

Pescar e contemplar...

Em uma crônica de Rubem Braga ele diz que Izaak Walton ( um escritor ingles que adorava pescar) ensinava que - "Pescar é a um tempo ação e contemplação".
Não foi ele que me ensinou a contemplar, além de pescar. Tenho pequenas, doces lembranças de quando isto começou. Era pequena ainda, com a varinha de bambu na mão, ansiosa, a indagar porque o peixe ainda não mordera a minha isca.
  É claro que o que me importava era que mordesse a minha isca!
  A esta pergunta, no início de meu treinamento como aprendiz de pescador, recebi todo tipo de resposta, dependendo do dia, ou do horário.  
 - Talvez nesta hora os peixes tenham ido dormir, ou precisa ficar em silêncio para eles não se assustarem, ou já comeram tanta isca que não estão mais com fome, ou hoje a maré não tá pra peixe! (mesmo que estivéssemos à beira de um rio).
  Com o passar do tempo comecei a receber informações mais técnicas : - A lua não está boa para pesca, a isca não é apropriada, este peixe é difícil de fisgar é preciso sensibilidade para sentir quando está próximo da isca! E por que você fica aqui sentado um tempão, como diz a mamãe, mesmo quando não está dando peixe?  E ele me contou que achava bom ficar ali em paz, sem pensar em nada, olhando a natureza ou o por do sol, ainda que fosse só para dar banho em minhoca, mas sempre esperando que talvez naquele momento viesse um daqueles peixes que dava gosto limpar e comer. Você não acha bom, filha?
   Eu até achava. Gostava de ficar pescando mas certamente, também por causa da companhia. Ele não...gostava muito de pescar e penso que poderia ficar horas ali sozinho consigo mesmo, à beira da represa, de um barranco, nas pedras, no costão do mar, num barco. Percebi que, de tudo que ele dizia, o que servia mesmo para toda situação é que era preciso deixar a ansiedade de lado, se desligar de tudo o mais, ficar presente, receptiva e quieta e de quebra, ter muita paciência! Acho que persistir sem perder a esperança era algo que eu começava a aprender com aquele pescador simples e bom companheiro, que era meu pai.
   Ter paciência quando se é criança e o peixe não vem morder o anzol era muito dificil! A gente tinha de aprender a ficar olhando atentamente para a linha, bem quando ela encontra a água ( no inicio ele colocava uma "bóia" para facilitar), para ver o sinal de que o peixe estava mordiscando a isca. Isto devia ser chato quando a maré não estava pra peixe! E eu acho, que foi então que eu comecei a aprender a contemplar, e também a meditar. No início era só o olhar dele que ficava distante ou imerso naquela água, perdendo-se nela ou sei lá! Depois, talvez tenha acontecido também com o meu olhar, aquilo de ficar meio estranho, parecer desligado mas estar totalmente na realidade , na unica que se tem, no momento. Não sei se era o mesmo olhar porque, é claro, a gente nunca sabe o que a mente, dona daquele olhar, está pensando. O que ele estaria pensando, o que estava buscando? Ou apenas sabia viver o agora?
   O curioso é que, na verdade, era só a gente relaxar e ficar inteiramente enamorada daquele momento para sentir aquele leve beliscar...e plóct, a bóia de isopor afundar, e a gente ser fisgado pelo prazer de pescar! E era mesmo uma sorte ter um peixe ou uma história pra contar no jantar!
   E, naquele tempo, as pessoas ouviam as histórias que você tinha para contar...

veraalvarenga.

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