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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Quando nada me falta.

Quando nada me falta
As vezes me aconchego assim, em raros momentos em que nada me falta. Como agora. E descanso nestes momentos, como se o tempo que é o meu, me fizesse o favor de parar. Como se não houvesse guerra. Como se tudo estivesse em paz.
Sim, só ele pára, o meu tempo, porque ao meu redor a vida continua – à direita e atrás, alguém  torce por um jogo de futebol do qual posso ouvir o narrador, mas não me atrapalha o barulho deles, nem me prendem a atenção.
 Estou no 2º andar, em frente a um janelão de uma sala que não é minha. Do outro lado, lá fora, há um calçadão com palmeiras e árvores daquelas que existem no litoral. E uma praça, e bancos e gente sentada neles ou andando neste jardim verde mas sem flores. É gente de todo tipo: crianças, adolescentes, gente velha, gente nova e cachorros levando seus donos para passear. Gente que anda com as próprias pernas, com ajuda de outros, com bengalas ou com rodas de bicicleta e até com cadeira de rodas. Na avenida, os carros passam. Depois disto, a areia, as ondinhas do mar espumando na praia, o oceano. Ele é tão grande! E vai até ao longe, batendo à direita e à esquerda nas pedras ou encostas de um outro pedaço de terra, bem longe daqui. Quem estará lá do outro lado? Quem olhará para cá, sem nem ao menos saber que estou aqui? Na verdade, não é isto que importa. O que me envolve é o sem limites, é o oceano que, no centro do meu olhar, vai até o sem fim, até encontrar-se com o céu e depois talvez, escorrer pelo horizonte chapado até cair no mundo como se fora uma lágrima da terra. Passam por aqui, na direção daquele horizonte, alguns navios recém saídos do Porto. Dizem que tem um destino certo, mas eu mesma não sei. Só sei o que vejo neste momento, que é só o de observar, sem julgar, sem saber, apenas o sentir. E o que vejo e sinto é que eles vão para o fim do mundo e pode ser que escorram também como um cisco, junto com as lágrimas dos olhos da terra.
Não é um momento de saber ou preocupar-se com o que existe depois. Nem se trata de ponderar, julgar, conhecer, pensar. Apenas ver e sentir. E o que vejo é ao mesmo tempo um contraste entre o movimento e a não ação. E o que experimento é o ilimitado do meu tempo que parou e o cadenciado do ritmo das coisas em movimento, o ir e vir das ondas e das pessoas, apesar da minha inércia. Neste exato momento em que não sinto meus limites como se nada me prendesse, ao mesmo tempo algo em mim observa enquanto a outra parte de mim está unida a tudo o que vejo. E nada parece me faltar. Neste milésimo de segundo experimento estar em paz. A despeito de tudo e de qualquer coisa.
Entre a janela e o oceano, na praça bem aqui em frente a mim, há uma escultura. De material sólido, cravada bem no meio entre as palmeiras - uma cruz. E Cristo está nela, e sobre a cruz, uma pomba repousa. Há quanto tempo ela estará ali? Não a pomba, mas a cruz. Há quanto tempo Cristo está entre nós? Entre o fim do mundo e eu? Ele está bem no centro de tudo o que vejo. E representa a união entre tudo, o ponto central entre todos os contrastes, e a esperança do infinito, do tempo que pára mas vive para sempre. Quem sou eu para duvidar?  

Apenas sei que preciso deste momento de união com aquilo que não conheço, não explico, não entendo mas que está em mim, e no mundo e até depois da curva do infinito, e me preenche de paz.
veraalvarenga.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Olhos de Mar (um conto antigo)

Arrumava pastas, revia escritos antigos e resolveu relembrar um deles....
Olhos de Mar...
   Não estava preparada para este sentimento.Levantou-se,pegou a cadeira e saiu em direção à praia.Era perto.Olhou para um lado e outro.Meio da semana,ninguém a não ser aquele que de tão longe, não tinha sexo nem idade,apenas um ser distante qualquer.
   Respirou,deixou sair o ar que ficara preso no peito feito  um susto desde há pouco, quando aquele sentimento, de supetão,invadiu a alma. Como foi que, descuidada,permitiu que se instalasse assim feito dono,feito parte,feito álcool da bebida que se toma aos golinhos e, quando menos se espera,espalha-se,atordoa e por fim toma conta?
   Agora, lá estava ela, a olhar aquele imenso mar azul, tão imenso como a saudade que sentia dele. Ele,que tendo rosto não tinha voz,não tinha cheiro,nem pele para ser tocada,era apenas palavras.Ele que um dia lhe confessara que a seguia. Ah!A internet era um mundo novo que comunicava palavras que a emocionavam,com uma rapidez maior do que a que ela precisava para compreender a relatividade dos conceitos. Alguém a seguia atentamente em seu blog. E blog era um novo conceito para a garrafa com as mensagens que ela jogava ao mar, da ilha deserta em que estava. Surpreendente!
   Sentou-se.Fechou os olhos.Lembrou do espanto e da delicia de saber-se notada.Alguém lhe prestava atenção,quando menos esperava.De inicio,um pé atrás, ela recuava.Depois, como uma dança, o incentivo para continuar a escrever, um passo à frente e um pouco de vida pessoal compartilhada.Ele contou-lhe da morte prematura de um dos filhos. Ela,aflita,só podia imaginar quão grande seria esta dor.Queria abraçá-lo, apenas por solidariedade.
   Uma vez,o instinto e compaixão também a aproximaram do homem por quem se apaixonou, e que tornou-se seu marido. Entretanto anos após o casamento,parecia haver ali um poço sem fundo- ele permanecia crítico e exigente, como se disto precisasse para garantir a presença dela ao seu lado,com seu desejo irreal de compensá-lo.Ela pensara que poderia transbordar amor indefinidamente,já que não passara grandes carências na infância,como ele.E se a ela, aparentemente nada faltara e a vida tinha sido mãe benevolente,haveria certamente de ter, em si,uma generosidade inesgotável.Talvez o marido pensasse o mesmo,que a luz daquela alma crente e ingênua e talvez pretensiosa jamais se apagaria e a água daquela fonte generosa,jamais se esgotaria.Contudo,encontrava-se esgotada. Por anos tivera a sensação de que sua espontaneidade e o desejo de viver não eram adequados à mulher de um homem que fazia questão de mostrar-se herói em luta constante,mas deixava claro que a ela cabia compensá-lo por isto.Tão antiquada lhe parecia,agora,esta forma de viver a vida, mas foi assim que a viveu, por tanto tempo que pensou ser nobre a missão.Até que se viu perdida de si mesma,sem sua luz,no escuro e com sede.
   Desta vez, não foi a compaixão pelo homem que sofria, o que a aproximou dele, pois ela já sabia que não tinha a cura para as dores do mundo,mas a compaixão por ambos.E também a ternura por este outro que, mesmo ao ser tocado por grande sofrimento,sabia ser doce com ela e parecia querer vê-la confiante.Com isto,não estava habituada.
   E foi devido ao que sentira por ele que,naquele final de tarde,fugira do computador.Há dias não recebia notícia.Sem despedir-se, ele desaparecera.E ela sentiu uma saudade tão forte e inesperada que doía.Parecia não caber no peito, de tão grande que era.Não esperava por isto. Foi um susto,como ser golpeada de frente por gigantesca onda!
   As pessoas não avaliam o que realmente sentimos por elas,pensou.A amizade,surgida do quase nada,tornara-se rara como uma gaivota de asas douradas que viesse pousar na janela de um apartamento em meio a centenas de edifícios,numa cidade do interior.Simplesmente encontraram-se quando perdiam algo de si.Ele vinha como um raio de sol, forte mas que podia entrar na pele sem queimar.O masculino que lhe faltava em sua própria integridade.
   Cecília sabia que amizades virtuais traziam problemas para relacionamentos reais.Muitas vezes, no entanto, gritara antes a debilidade do seu e de si mesma, sem ser ouvida. Não que o amor houvesse acabado.Porque mesmo a um amor triste e moribundo ela se agarrava ainda que não visse no olhar dele o mesmo cuidado e portanto, muito da ternura e confiança nela haviam pouco a pouco esvanecido.
   Quem sabe ela devesse aceitar esta visão realista das coisas, permitir que o amor envelhecesse assim, naturalmente debilitado como ficam os velhos. Contudo, seu amor era sensível e não conseguia passar pela vida com a consciência adormecida. O hábito do marido direcionar a ela sua impaciência diante da vida que teimava frustá-lo, esfolava-lhe a pele. Em nome da paz e de um instinto meio insano de colocar-se no lugar do outro, quis crer que poderia perdoar a falta de gentileza, o comportamento agressivo, as traições, sem que a própria vida lhe cobrasse por isto. Mas tudo tem um preço. Ela precisava tornar-se insensível algumas vezes, engrossar a pele, para conseguir recomeçar a cada dia como se fosse um personagem de uma página pura, em branco. Ela tentou. E tentou, e assim, ambos pensaram que tudo estava controlado e bem. Finalmente, ela que pensara que o amor faria florescer sempre apenas o melhor no ser humano, decepcionou-se consigo mesma. Não tinha a nobreza de perdoar de novo, e de novo.Não era como a lua que existe e não questiona seus ciclos. Seu coração rebelde que se adaptava mas não se acomodava, quebrou-se em tantos pedaços que demorava recuperar a confiança nas pessoas ou no que quer que fosse. Sem lugar para repousar, como ave ferida que cai ao mar, debatia-se, antes de submergir.
   Foi neste momento, sem se dar conta, que o amigo que a incentivava a continuar a escrever enquanto o homem amado caçoava dos sonhos dela, o amigo que a chamava "minha querida" tornou-se, de repente,imprescindível. E ela sentiu, novamente, que era especial. O despertar de um estado de torpor, sentir-se viva pelo modo como era tratada,deixava mais claro o quanto se tornava insuportável o que há muito tempo já não era igual. Uma vez tinha lido que, diante do amor, tudo o que não o fosse pareceria grosseiro. O companheiro de tantos anos, o único homem que ela sabia amar era um bom homem, um lutador mas vivia isolado em seu próprio quarto de espelhos.
   Foi assim que um dia, Cecília surpreendeu-se feliz ao ler o recado daquele que lhe fazia sorrir quando chegava. Ingenuamente pensou que Deus ouvira suas preces e lhe trazia a esperança de ser amada, de sentir num olhar que a enxergava, que podia voltar a ser ela e habitar concretamente aquele corpo que era seu, mas por vezes parecia menos habitado por sua própria sensibilidade. Deus lhe trazia de volta o amor que ela pedira mas esquecera de nomear. E vinha pois, de um estranho!
   Distraída nestes pensamentos, assustou-se com leve movimento perto de si. Viu um cão vadio que, carente, procurava um dono. Desviou o olhar. O cão seguiu seu caminho.
   Voltou às lembranças de como, por empatia, se aproximaram. Ele, cuja tristeza se devia a perda de um filho. Ela, à perda de si mesma e da confiança que lhe dava sentido à vida. Ambos de luto.
   Um dia ele lhe agradeceu por existir. Como era possível alguém agradecer-lhe por simplesmente existir? Por ter sido inspiração para mudanças, incentivá-lo a assumir emoções, voltar a ser feliz. Em suas buscas para compreender as recentes emoções ela se desnudara. Sinceramente lhe dissera para amar as pessoas ao seu redor e ser feliz com elas antes que não houvesse mais tempo! Ele disse estar ferido. " Confie em suas asas e voe, meu amigo!", foi o que sugeriu. E ele voou.
   Ela não suspeitava que sentiria tanto sua falta! Naquela tarde, desejava voar com ele. Embora as rugas começassem a marcar seu rosto, era crédula. Apaixonou-se. E foi assim que, feito lua cheia,preencheu-se de uma luz que não era própria mas reflexo do próprio desejo de amar.
   E agora, tinha os olhos cheios de mar, e chorava.
   Que tolice! Como, nesta idade, podia apaixonar-se por quem não tinha um abraço real ? Aquele homem se tornara imprescindível para ela,embora tivesse sido ele a lhe afirmar certa manhã: -" Hoje consigo assegurar, com toda clareza e sensatez, que você é insubstituível para mim". Ela guardara aquele email como tesouro. Naquele dia, junto com ela, o mundo ficou sereno e em paz. E ela ousou sonhar! E desta vez não era um sonho de paz, de quem está cansada de manter o equilíbrio a despeito de um piso escorregadio. Depois do que ele lhe dissera, impossível não alimentar expectativas. E,discreta como era, esperou. Ele não suspeitaria que palavras marcam como tatuagem e pessoas sentem saudades? Ou palavras não teriam mais o mesmo sentido, naquele mundo virtual?
   Sentiu pena ao constatar que a saudade que sentia não era do marido. Era de amar. Sim, ela deixou-se levar pelo sonho, mas precisava perdoar-se. Sabia que teria evitado se pudesse e não tinha premeditado o sentimento. No inicio quis arrancar o sentimento como se fora erva daninha, negou-o, tinha compromisso com a felicidade e sabia sua responsabilidade nisto. Finalmente, porém, perdoou-se porque pensou que, se havia traição, era a de quem traíra sua confiança de diferentes maneiras, antes. ao deitar-se, com carinho e oculta tristeza, beijava o homem que amou por uma vida inteira. E quando faziam amor, ela se aconchegava em seus braços, desejando que a vida lhe trouxesse de volta a alegria de antes.
   Então, como poderia trair, mesmo em pensamento? Se ela então, não era perfeita, ninguém tinha de ser, nem seu companheiro. Era grande a tristeza que sentia quando mergulhava dentro de si e conhecia tais contradições.
   Caminhou em direção ao mar azul... a lua nascendo no horizonte, os olhos cheios d´água, descendo pelo rosto, o gosto salgando a boca...sentia-se parte do oceano.
   Não sabia se o mar estava em seu olhar ou se era ela que estava nele. Enquanto isto, a lua, cheia e linda, brilhava, indiferente e cheia de si.
   Um homem aproximou-se. Era aquele que antes era um ponto distante ao longe. Agora, passava por ela arrastando os pés descalços, num andar triste e solitário. Por quantas perdas e desamores haviam passado alguns homens, que não mais reconheciam nem viam o brilho daquela lua? Por  quem ela brilharia, então?
   O cachorro vadio da praia, aquele sem dono, aproximou-se dele. O homem parou. Olhou para o animal que sentou-se a sua frente e sustentava o olhar corajoso de quem busca resposta ao seu desejo de amar. Não estava mendigando amor, não, não era isto que queria. Ela compreendia o cão, como se estivesse nas entranhas dele. O homem ponderou. Não seria fácil tomar uma decisão daquelas, sair de sua conhecida e confortável solidão, comprometer-se em não abandonar quem iria lhe ser fiel, compartilhar de si com aquele que o olhava com esperança. Por fim, decidiu-se. Sorriu para o cão, passou-lhe a mão na cabeça, não com piedade mas como quem o aceita e, sem dizer palavra, continuou a caminhar, com uma alegria que antes lhe faltava. O acordo estava estabelecido. Homem e cão seguiram, lado a lado, confiantes, felizes em direção até o final da praia ou de suas vidas.
   No horizonte o mar estava sereno. A lua cheia, no seu esplendor, levantava-se do leito do amante, plena de si mesma.
   Cecília enxugou as lágrimas. Agora sabia. Fazia parte de tudo e de um desejo maior que em todos está... neste momento parecia tudo compreender, porque tudo era uma coisa só... seu desejo estava naquele homem e em seu cão... e no mar... e na feminilidade que se perpetuaria, para sempre, na lua!

conto de Vera Alvarenga
proibido a reprodução sem que se coloque a autoria.
      

sábado, 1 de novembro de 2014

Como uma onda...

Pela manhã veio-lhe um desejo,não maior do que ela nem tão inesperado mas tomou-a inteira.
Tomou-a como a onda que vem porque o mar já não cabe no que antes era limite.
E como a onda na maré cheia toma a praia e banha o corpo e molha a pele da mulher que deitada seca ao sol, assim foi com ela e o desejo.
Suspirou ao contato da água morna e salgada em seu corpo.

E como uma onda, o desejo veio. E igual aquela história do homem que tinha um sentimento ...
como uma onda, o desejo se foi.

Foto e Texto: Vera Alvarenga ( inspirado numa crônica de Rubem  Braga).

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lembrando do barulho do mar


 Eu adoro o barulho do mar.
Não esqueço as primeiras noites que passamos em Florianópolis, logo depois de mudarmos para lá. Em São Paulo, durante a noite, quando estava quase dormindo eu ouvia barulho de ônibus, de sirene de ambulância ou polícia, de brigas, e até de tiro, às vezes.
  Nas primeiras noites lá, na praia dos Ingleses, o silêncio era tanto que dava pra ouvir o que eu demorei um pouco para crer que era possível - o barulho das ondinhas do mar na praia, a menos de meia quadra de distância. Ah! até hoje posso ouvir isto, quando relembro. Acreditam??? Eita sensação boa... era como ouvir o barulho do mar numa concha enorme... a gente se sentia aconchegado com aquele som como se estivesse no útero do mundo....rs.... e dormia em paz...

Foto:Priscila Pereira Texto: Vera alvarenga

sábado, 2 de junho de 2012

Estrelas no mar...

Naquele tempo, ela caminhava na praia deserta.
Trazidas pela maré, um dia chegaram palavras, resposta ao desejo que lançara ao mar. E outro dia, o barco, e nele o pescador, e ao redor dele, as gaivotas. Eram dias como aqueles em que o brilho do sol aquece a alma e desenha estrelas no mar.
Longe vai este dia...
Agora, alguns habitantes da ilha voltavam. Voltavam um pouco vazios do que tinham sido, voltavam ligeiramente transformados, envelhecidos ou cansados, emoções à mostra como se isto, agora então, valesse a pena. Mas as dela, como gaivotas voaram para detrás daquelas pedras e ela as perdia de vista, por dias e dias, perdida que estava daquela visão de estrelas no mar...
A volta viera como a maré cheia que a despeito do que seria natural a seu tempo, retarda. Contudo, mesmo assim, ao vir finalmente é real e traz junto seja lá o que o mar lhe tenha para dar. Estranho ver no outro e só agora, a compreensão para si mesmo, do muito que ela tinha sido e não compreendida. Mas o tempo muda tudo, algumas coisas trocaram de lugar! Tivesse tido ela ainda mais paciência, e seu coração não teria batido desigual. Impossível, contudo, que não reconhecesse que a ilha não era mais deserta!
Já não olha mais para o horizonte distante, nem espera ver o barco, porque em vão e por longo tempo tinha esperado seu retorno.
Colhe os frutos da ilha. Morde-os.Se alimenta deles como quem quer, com sua polpa madura, preencher-se do seu gosto, da sua materialidade. Ela mesma talvez queira mais concretude. Cobrir sua doçura com casca resistente.
Caminha. Seus passos ficam marcados mais fundo na areia, pois que já não pode flutuar como antes. Sente o real e caminha em paz consigo sob o peso de si mesma. Senta-se sob a sombra dos coqueiros. Já não fecha os olhos para sonhar. Perdeu asas, mas recuperou uma visão mais adequada à luz do local. E olha, e vê a paisagem, e admira as aves e o colorido daquele paraíso alcançável. É paraíso,não é?

Por vezes, porém, ainda deseja e o coração trai esta mulher compenetrada, séria e macia...e então, ao caminhar na areia, por culpa da brisa que vem lhe beijar, quase se deixa levar. Olha para o mar, de propósito afunda os pés na areia... mas a ave dourada que hoje habita somente em seu coração busca com o olhar, as estrelas, os sinais, as palavras, e ela sente no peito o leve tremor de suas asas, e cala o canto que não será ouvido.
Fotos e texto: Vera Alvarenga
E por falar em coração batendo desigual... a música Trem do Pantanal com Almir Sater vai bem...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A imensidão do mar...


Dar-se conta do amor que a gente tem dentro do peito é assim como ver o mar pela primeira vez e perceber sua imensidão. Primeiro a gente pensa que parece impossível que aquilo tudo não derrame pelas bordas do mundo, não invada o urbano e a natureza do outro que está próximo. 
A gente olha o vai e vem das marolas na areia que brilha a cada vez que o mar se retrai. Ele, que a hidrata e penetra. Ela, que o acolhe sem resistência. Ambos se tocam numa alternância de movimentos que pareceriam opostos, se não soubéssemos que são complementares. Como afago, carinho que faz à amante, o mar se estende grandioso e soberano sobre ela, sobre aquela que lhe dá suporte. Fica claro, neste momento, que ele é feito para banhar, alimentar, maravilhar aquele que descobre sua existência. O que vemos é o depois, depois deste ato de amor, depois que o amor toca a alma e a toma para si. É quando os dois ficam ali deitados apenas respirando, embora grande parte de si mesmos, ao mesmo tempo esteja fertilizando a vida, cada um em seu próprio elemento. Vemos o momento da intersecção dos dois elementos, onde seus limites se permitem penetrar, quando o amor e a alma a que pertence interagem e ambos se fazem um. Contudo, ele não a fertiliza diretamente, mas prepara o ambiente da amante para aquele que virá, um pescador, um habitante da aldeia ou talvez, da cidade.
Algumas vezes, este interlúdio, encontro do amor com nossa alma não é tão manso nem o ritmo é um “pianíssimo”. Quando as pedras estão em seu caminho e a paisagem se modifica, podemos ter uma visão diferente do amor que nos fertilizou. O mar batendo bravo contra a alma que está ali endurecida e não quer ceder, é uma das possibilidades. E a isto podem somar outros elementos da paisagem e da natureza, os ventos, tempestades e furacões. Então, o mar invade, num movimento de força indomável e incontida, muitas vezes furiosa, como reagindo a alguém que tivesse ousado pretender represá-lo ou mantê-lo em filtro de barro, com uma torneirinha para ser aberta só quando dele quisesse beber. Mar de verdade, não aquele das pinturas e aquarelas, vai buscando aquilo que era seu, o espaço que deveria lhe pertencer se não houvessem antes o invadido na maré vaza, ou negado sua existência só por não conhecê-lo. E, em algumas praias, temos visto que ele vem, cobre, engole, destrói até!
Ah! não é porque somos do interior, que podemos negar o que ele é. Um dia, mais cedo ou mais tarde a gente descobre que está mais perto do que supúnhamos. Ele está ali, dentro do peito, vivo, com capacidade para inundar de amor, perdão e afago, ou destruir. Ele é água, sentimento, emoção e procurará sempre o espaço que é seu. Não é possível represar a força de vida do mar, sua necessidade imperiosa de ser, sua pulsação natural. No entanto, podemos tentar conhecer aquilo que trazemos no peito. Eu, por mim, procuro manter-me numa praia mansa, onde haja espaço para deixar que se espalhe, pois um dia tentei contê-lo, e aprendi que isto não é viável.
Independente de eu ter escolhido amar o mesmo pescador, entre tantos, pela eternidade,
a paisagem neste tempo nunca seria a mesma e as marés se revezaram. Eu sei, assim é a vida para quem vive com o mar a seus pés ou dentro do peito. Um dia apanho conchas, deito na areia fresca e banho meu corpo, sentindo o sol brilhar em minha pele. Em outra manhã, logo após a maré cheia e a tempestade, verei destroços, galhos e algum lixo. O pescador pode ter se ausentado em viagens a procura de conhecer mares distantes, ou mesmo entrado mar adentro de seu peito até descobrir quem, afinal, habitava suas praias.
Mansa era minha forma de amar e embora tenha escolhido uma praia tranqüila para viver junto ao mar, um habitante de Nova York, náufrago de tempestade, trazido por inesperada corrente marinha, poderia aparecer de repente na praia idílica e quase deserta onde eu estava. E talvez se demorasse a descansar e observar as conchas, e a respirar a brisa do mar que conheço. O mar que, por seguir pulsando dentro do peito, iria fatal e naturalmente de encontro aquele que ao se aproximar demais, mostrou que trazia nos olhos o mesmo brilho da areia e de estrelas marinhas. 
Água do mar é viva. Não morre como estátua no cimento, não pode ser mal contida. Seu destino é fluir, banhar, encontrar-se com o limite que a receba. O amor dentro do peito, não pode ser represado. Mar também não. É desperdício não crer em sua capacidade de fertilizar a vida. Tolice imaginar que ao se recolher na maré baixa ele ficasse por lá, para sempre quieto, e não retornasse trazendo tesouros ou escombros de suas profundezas. Ele não obedece à nossa vontade, mas ao que está acima de nós, e pertence à nossa natureza.
Minha natureza é a daqueles que conhecem o mar, mergulharam nele de corpo inteiro e andaram anos com os pés tocando suas águas rasas e a areia, exatamente naquele ponto em que o amor e a alma se encontram, numa paisagem que se mostra diferente a cada dia, a cada fase da lua.
Portanto, procurar a praia onde possa de novo deitar com o amado e amar mansamente é instintivo, é o único modo de conter o mar, é reencontrar a paz e sentir, como no respirar dos amantes, o pulsar harmonioso da vida que se completa no movimento  daquilo que, neste ato, encontra sentido.
Texto: Vera Alvarenga
Foto: Priscila Pereira 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Amor possível, amor impossível...

 Eu já amei o amor possível, da única forma que me parecia ser possível amar – doce e inteiramente, com compaixão, gratidão e entrega total.
Claro que esbarrei em meus limites e nos do próprio ser amado, mas eles não me importavam. O importante e natural era o amor ser como era.
Depois, muito tempo depois, um dia me apaixonei outra vez porque de novo, o amor me tocou com seu encantamento, para meu espanto, de uma maneira diferente - amei um amor que crescia apesar da distância, que existia apesar do impossível.
Nos dois momentos, o ponto comum foi ser tocada por um amor que me encantava, o que fez nascer o desejo da entrega, como se entregar-se a tal sentimento com inteira lealdade possibilitasse transformá-lo em verdade que pudesse sustentar-se e sustentar a nós.
Não amei porque estivesse farta ou desprezasse o amor possível. 
Não tentaria explicar o que não se explica. Amei o impossível porque assim me encontrei, de repente e inesperadamente, apaixonada. Então, tudo passou a ter novo significado ao mesmo tempo que nada mais importava, porque o que era possível se dissolvia como um barco naufragado em meio às ondas reais do tempo presente, numa tempestade em alto mar. E eu ainda lutava no meio de algo grandioso, assustada, quase afogando-me, apenas agarrada a pequena estaca de madeira, pedaço talvez do mastro de uma antiga bandeira. Mesmo com os olhos a arder do sal da lágrima e do mar, meu olhar seguia o pássaro que voava livre em direção à terra firme e me inspirava a sobreviver, não me deixando afundar.
Assim, posso dizer que já amei de várias maneiras, já salvei o amor e fui salva por ele. Agora, ando na praia ao entardecer, tentando secar minhas roupas com os últimos raios de sol e a passos lentos, marco na areia meu rastro e sigo com esperança de que não sinta mais o frio das águas geladas do mar revolto e profundo, que existe na solidão de cada um de nós...  
Texto : Vera Alvarenga
Foto retirada do Google images.

sábado, 5 de março de 2011

Um oceano dentro do peito...

   Ao ouvir aquela música, todo aquele sentimento que ela pensou que já se tornara parte dela, de sua história, como algo que se assimila, se dissolve no sangue e se dilui pelas células, bateu forte no peito. Pulsava ainda vividamente, como se não houvesse perdido nada de si, como se tivesse vida própria, ou imprópria como era desde o começo!
  Colocou a mão no peito como se o pudesse conter, surpresa por ver que ainda estava inteiro. Como era possível isto? Agora, que tudo começava a ficar em paz, novamente, por que este sentimento ainda resistia? Porque permanecia dentro dela como tatuagem que entranha na pele e faz parte! Que teimosa agonia esta de permanecer vivo,mesmo que tímido,quando nada há que o alimente. Por que não conseguia esquecê-lo? O que ele representava? Já nada era mais em si mesmo, a não ser sinais, signos de uma linguagem, que algumas vezes ela quase cansou de interpretar. E era então, que ele a trazia de volta. A voz dele se fazia ventania e lhe desvendava pequenos tesouros, claras palavras que a deslumbravam e a prendiam ali naquele quase desértico sambaqui - ponto exato de intersecção entre duas histórias distintas, campo arqueológico em que ambos procuravam sinais de vida, que lhe dessem razão para uma outra, mais rica.
   Não conseguiu tocá-lo,embora ele tivesse dito que sim. Só ele a tocara, só ela se deixara tocar verdadeiramente, por todo este tempo? Exatamente um ano. Olhou para os lados. Ninguém ousaria supor adivinhar seus pensamentos. Como alguém podia fazer uma música falando de si, se nem a conhecia? Queria sair dali, mas a música a envolvia mais e mais.
   Tinham um jeito próprio de se tocar, de se abraçar...era como se algo dentro deles soubesse o caminho, apesar de tudo. Quando a dor de cada um se misturou com a letargia e tudo parecia se dissolver, foi que se encontraram. Uma vez, ele lhe disse que sentia sua falta, que ela se tornara real. Ele sempre fora real e ela  o ouvia chamar. Os céus sabiam que já estava na hora, os anjos eram testemunhas do quanto ela se surpreendeu ao perceber que, ao seu chamado, voltara a sonhar,desejar e respirar, porque vivia! Não soube como controlar a vida que assim nascia.
  Quando ele a abraçava com o seu olhar e lhe desejava um bom dia, tudo parecia ficar bem e ela esquecia de tudo que não era bom, e sorria, porque não precisava mais esconder a luz do sol que agora brilhava.
   Lembrou de quando morava à beira mar. Sentiu os pés na areia molhada.
   No horizonte, a lua nascendo, cheia, feminina, levantando-se do leito de seu amante-amigo que era dono de seu brilho, pois era para ele, só para ele, que ela ousava ainda brilhar.
  O mar estava em seus olhos, descia por suas faces, inundando seu peito, ou ela se afogava no mar? Ou seria a lua, que de saudade chorava?
Texto : Vera Alvarenga
Vídeo youtube.- David Gray cantando

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

" Viajar, dá uma preguiça...Epa! Acorda ! "...

Não sei como a gente pode gostar de viajar e, ao mesmo tempo,ficar aflita - sair da rotina dá uma preguiça, até uma vontade de desistir de ir.
Por que será? Tá, é uma viagem loonn,ga... 10 hs. daqui até Curitiba! Contudo lá, filhos e neto que nos amam, nos esperam e, no domingo a gente segue direto pra Floripa! Na volta, a gente talvez passe em Camboriú, Piçarras ou quem sabe Joinville,para rever pessoas que ama.
Ah!pisar na areia limpa,olhar para o mar, ouvir o barulho das ondas, ver as gaivotas, talvez golfinhos, na praia que ainda não está cheia de gente,guarda sol e cadeiras. Vai ser tão bom!
Próximo da temporada - antes, ou logo depois - é a melhor época do ano pra gente que mora lá na praia...no paraíso... Durante a temporada, a praia se veste de mil cores - é o equivalente à Primavera para as flores. Todo mundo alegre, bem disposto,comilão ( é milho cozido, caipirinha, peixe..huumm.. camarão,huumm..,cervejinha gelada à beira mar,à noitinha). Êta vida boa!
Só que, pra gente que mora lá, mesmo que a uma distância de um quarteirão apenas, o trabalho durante a semana continua o mesmo. Mas, quando a tarde cai ou a lua está nascendo lá no horizonte, como que saindo feito deusa dourada das águas do oceano,a gente nunca deixa de ir até a beirinha do mar...pelo menos por uns minutos,porque afinal a gente não é louco, de desperdiçar este alimento para a alma e para o corpo,que se refazem com a calma daquele momento. É lindo demais!
Por 10 anos, após sair de São Paulo,morei alí e tive a benção de intuir que podia não ser pra sempre e, que era bom aproveitar. Eu me alimentei daquela beleza e calmaria( fora da temporada), e da alegria das pessoas em férias( porque nós, não a tirávamos nunca!). A gente vê todo mundo ir embora depois do carnaval, e se sente abençoado e agradecido, por poder, um dia, ter criado coragem para cortar as amarras com a cidade mãe, de colo largo e alma provedora, que é São Paulo( esta cidade que tem um coração de mãe, nunca se cansa, tá sempre na lida, agitada, cheia de energia para prover seus filhos de tudo, e ainda tem que aguentar os que se desviaram na vida, mas que ela acolhe assim mesmo!)
Há 2 anos que estou tentando cortar os laços com Florianópolis. Fomos para o interior de São Paulo, a chamado de uma das norinhas e do filho. Depois, com a saúde do marido debilitada, o nascimento dos netinhos(uma benção maior, que a do paraíso),fomos ficando por lá. Um dia eu conto esta história...
Bem, mas agora, é arrumar as malas para ir, por uma semana, como se estivéssemos de férias(apesar de termos muito trabalho pela frente, nos esperando)e aproveitar ao máximo! Encher os olhos de todo o belo, respirar o cheiro bom do mar, que é limpo(não é enjoativo como cheiro de peixe podre), encher a boca de tudo que é o mais gostoso de lá... fazer o que tem que ser feito... convencer o marido que é sábio aproveitar... tomar uma cervejinha no início das noites, enchendo a alma de toda a calma e... depois, só depois de estar repleto de toda esta paz... voltar correndo pra cá, porque... Deus me livre de voltar a viver sozinhos no paraíso, longe dos netinhos e dos filhos que a gente ama e nos querem pertinho!
Ah, querem saber? Acabou a preguiça! sou grata por esta oportunidade e pela felicidade de poder ir e vir... Pena que a gente não pode levar junto, todos os que a gente ama...aí sim, a gente não saía mais de lá !
Até a volta pessoal, e boa semana para todos.
E você, também tem preguiça na hora de fazer as malas?

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