Então ali estava eu, em Lisboa. Não
digo na minha ou na velha Lisboa, porque
não é minha mas dos meus irmãos portugueses, e não tenho intimidade para
chamá-la de velha, sem que ela se ofenda. Aliás, como eu, ela não é velha mas
cheia de histórias.
Por falar em histórias, vou contar
uma pessoal, que vivenciamos eu e ela, no coração da cidade, entre o Rocio e a
Praça da Figueira. Bem ali existe uma confeitaria maravilhosa, a Pastelaria
Suíça. Possuindo quatro entradas, duas em cada praça, permite a seus clientes
ir de uma a outra com facilidade. No meu caso, contudo, poder entrar de um lado
e sair de outro, foi um pesadelo por alguns minutos. Vamos à história, mas do
inicio, para que eu também não me perca aqui novamente.
Nesta confeitaria vivi alguns momentos de apreensão testemunhados
por duas mulheres , a balconista e a senhora do caixa, esta última por sinal muito
simpática e solidária. Simpática porque, logo que cheguei fui pagar adiantado o
café e deliciosos pasteis doces para o lanche
especial de final de tarde, e tivemos uma conversa animada sobre a vida em
Portugal e no Brasil. Solidária, conto o motivo daqui a pouco. Ao pagar, eu lhe
disse que o lanche era para mim e o marido que havia ido “rapidinho” até o
outro lado da praça, comprar um sapato. Logo voltaria e queria fazer-lhe uma
surpresa com os doces e não só a “bica”. Após vinte minutos de conversa eu a
deixei e fui para a porta, local onde marcamos o encontro, bem em frente a D.
João I em seu cavalo.
Fui à porta e esperei, uma vez que marcamos
do lado de fora. Olhei para um lado e
outro. O marido não vinha. Ah, como estava precisando sentar-me! Descansar de
tudo que andei, mas fiquei com receio porque a praça era grande e havia barracas
de artesanatos, que nos impediam a visão dela toda. Era melhor esperar bem em
frente à porta. Meu marido havia tido um AVC um ano antes e, embora estivesse
muito bem, sua memória o enganava muitas vezes, como fazia quase sempre, a
minha, comigo. Minha bússola nunca fora mesmo exata. Facilmente eu me distraía
com alguma imagem interessante, por isto criei o habito de salvar na memória um
ou outro detalhe de referência, se não quisesse me perder. A dele, no entanto, antes
do AVC era exatíssima, e a memória também. Aliás, quando
teve o acidente vascular, eu percebi porque ele esqueceu-se do nome de pessoas.
E isto não tinha sido um bom sinal.
Ele costumava ser objetivo e rápido
em suas compras . Agora, com exceção da memória para certos detalhes, estava
bem de saúde, mas muito atrasado. E isto podia não ser um bom sinal. Foi só então
que percebi que a porta onde eu estava, não era a única que servia de entrada
para a confeitaria. Havia outra! Alguém entrando por essa outra porta, poderia
passar por outro ambiente, por trás do balcão onde eu estivera com aquela
senhora do caixa, sem que eu visse ou sem me ver . E poderia sair na outra
praça! A partir deste momento, tentando
manter a calma e disfarçar a agonia, fiz e repeti um circuito entre uma porta e
outra, da Figueira ao Rocio. De d. João I a D. Pedro IV. E fui até a loja do
outro lado da praça. E voltei. E aí aquela senhora simpática tornou-se
solidária com minha apreensão. Já havia passado cinquenta minutos. Ela
avisou-me que seria melhor falar com a polícia pois logo algumas lojas iam
fechar, ia escurecer... ele bem podia
ter saído pela outra praça. De fato, como é um pouco impaciente poderia ter
saído a minha procura. Poderia ter esquecido do ponto em que marcamos o
encontro, afinal, tudo é muito parecido quando não conhecemos o lugar!
Meu coração ficou pequenino
imaginando se ele estaria aflito caso tivesse esquecido do local do encontro ou
coisa pior. Foi então que pensei que tinha perdido uma pessoa, exatamente no
momento em que eu esperava que ela me encontrasse, ou ainda melhor, esperava me
encontrar dentro do seu olhar. Seria como aquele encontro de alma, romântico
como me agrada, que faz com que pessoas voltem a se aproximar de um jeito
amoroso como se o tempo não tivesse passado e por algum motivo as distanciado
um pouco. Este era um desejo meu, escondidinho. E agora acontece isto?! Ao
invés de me encontrar ele teria me perdido?! Não, não era possível! Tentava me
manter calma.
Olhei para as quatro portas, a
Confeitaria me pareceu bem maior. E se ele tivesse ido mesmo para a praça onde
D. Pedro IV, aquela estátua que não é equestre porque foi aqui no Brasil, como
Pedro I que ele, em seu cavalo, veio gritar pela liberdade? Escolhi uma e fui
novamente para a calçada. E lentamente, fiz um giro de 360 graus. Lá pelos 180
graus me imaginei telefonando aos filhos para dizer: - Perdi seu pai! Aos
270 minha índole positiva já tinha
afastado este pensamento, eu não estava gritando como D. Pedro, estava aflita por ele, eu estava orando:
- Ah! Não devia tê-lo deixado ir
sozinho. Deus, proteja-o! Não deixa ele ficar aflito, coitadinho, pensei eu,
tomada por uma onda de cuidado e carinho. Não deixe que nada lhe aconteça, proteja-o e....
E então, aos 55 minutos e 360 graus de uma não tão
remota intenção, o meu olhar aflito e o olhar despreocupado dele se
encontraram.
- Eu demorei um pouco porque fui ali na outra loja ver se encontrava meu
sapato, disse-me ele. Eu poderia socá-lo se não fosse por aquela onda de
cuidado e carinho, que me fez sorrir de alívio por ver que estava bem, sensação
que muitos de vocês talvez já tenham sentido.
E fomos juntos, finalmente, tomar o
nosso café.........
foto e texto: vera alvarenga