terça-feira, 25 de janeiro de 2011

" O velho do rio..."

    Estavam indo para casa.
    - Estaciona aqui, por favor! Só um minuto, prometo.
   O marido estacionou o carro ali mesmo, na avenida, à beira do rio que passava dentro da cidade. Ela pegou a máquina fotográfica e caminhou uns poucos passos.Tinha visto patos na água. Duas ou três fotos, era do que precisava. Estava descobrindo o prazer de fotografar aves na água, com seus reflexos e cores que se ondulavam formando desenhos incríveis. A buzina a chamou, mas as fotos já estavam ali. Podia voltar ao carro.
   De repente o viu.
   E foi chegando mais perto. Tirou apenas uma foto, pois lhe veio a mente um cuidado..
   - Até que ponto poderia tirar fotos de uma pessoa, sem pedir-lhe licença? Mas ele estava recostado ali na árvore, cochilando. O lugar era público e ela não o exporia ao ridículo, não estava lhe fotografando para expor sua pobreza, mas simplesmente porque ele era belo. Ali naquela luz, naquele lugar, naquele exato segundo, ele era belo.
   A buzina tocou novamente. E ela se foi,querendo ficar. Entrou no carro perguntando ao marido:
  - Você viu que lindo?! O marido a olhou espantado.Ela completou - A figura dele, é interessante, não acha?
  Decidiu que iria pesquisar sôbre a ética na fotografia e que procuraria saber sôbre o homem. Na tarde seguinte, o marido disse que perguntou por ali e lhe contaram algo que parecia mais um boato. O homem, disseram, falava alguns idiomas e tinha sido importante profissional projetista, até que a mulher o deixou e.... Que história! Se ela fosse jornalista,seria uma história e tanto,mas ela não queria saber de sua vida, queria apenas fotografá-lo.O marido contou mais, que perguntou a uma assistente social, na Prefeitura, e que ela dissera que ele era "maluco", que tentaram ajudá-lo, tirá-lo da rua, mas ele era agressivo, dizia besteiras e não aceitava ajuda. Não havia para quem pedir licença para fotografá-lo, a não ser para o pobre louco.
   Outra tarde, estavam voltando do almoço e lá estava ele novamente. Ela desceu do carro e, com sua câmera se aproximou. Tirou uma foto. Ele estava desenhando! Desenhava num papelão. Chegou mais perto e assustou-se! O cão que estava deitado ao lado dele,levantou-se e latiu, como para avisá-la que ela não poderia se aproximar mais. Havia um limite a ser respeitado. Mesmo assim, ela arriscou perguntar a ele, se podia fotografá-lo. Sem olhar para ela, o homem ouviu, continuou desenhando e fez um gesto com os ombros, como para consentir. Seria mesmo maluco ou apenas um pobre homem, pobre? Ela quis conversar um pouco e ele respondeu, a maneira dele, com palavras que pareciam desconexas e que ela não podia compreender, por mais que se esforçasse. Então, ele disse algo como "homem nu" e ficou um pouco agitado.
    Ela o deixou em paz, com pena de ter de se afastar por medo e por não conseguir se comunicar com ele.
Afinal, disseram que era louco e podia ficar agressivo e ela não queria ser ferida, mas também não queria ferí-lo, nem invadir sua vida...pois talvez, ali debaixo daquela árvore,aquele cantinho fosse o seu espaço íntimo e, aquele momento que ele dividiu um pouco com ela, fosse seu momento de entrega a si, a suas lembranças ou a sua loucura.
   - Adeus, senhor. Obrigada.
   Só então ele olhou pra ela, levantou o papelão mostrando o desenho e, num instante,voltou ao seu mundo tão particular, como se nada mais existisse ali, além de seu cão amigo,sua arte e sua história.


 Texto e fotos: Vera Alvarenga                                                                        

8 comentários:

  1. Que Post Fantástico!
    Amiga Vera Alvarenga:
    A sua Crônica é simplesmente fascinante!
    Com uma descrição impecável e uma narrativa primorosa, permite-nos lê-la de um só fôlego!
    De repente a situação do moço deve estar refletindo as marcas do nosso próprio espírito de outrora ou presente e não conseguimos despertar para a dimensão do conjunto.
    Contagiou. Mexeu. Valeu.
    Parabéns por mais um magnífico Post!
    Abraços fraternos,
    LISON.

    ResponderExcluir
  2. Grande Vera, o cotidiano nos revela muita coisa, mas, apenas olhos tenazes conseguem perceber.

    ResponderExcluir
  3. Vera sua crônica está maravilhosa.... fiquei presa ao texto querendo saber como seria esta relação entre eles.....
    Parabéns minha amiga.... você deveria escrever mais crônicas. Adorei também o questionamento por detrás da invasão de privacidade.....muiiiiitttoooo bom!
    Beijo enorme em seu coração

    ResponderExcluir
  4. Vera, voce tem um talento incrivel para escrever com riqueza de detalhes, especialmente dialogos.

    Quero acrescentar que Laura gostou muito do livro que vc mandou, ela lê para mim os capitulos. O barato nisso é que ela faz comentários e acho fantastico!

    ResponderExcluir
  5. Olá Vera querida!
    História muito interessante. Fiquei muito curioso imaginando o significado do desenho... será que ele revela mais sobre o homem?
    Muitas vezes o rótulo de "maluco" dado pela assistência social é uma forma de não se comprometer com o problema. Quem sabe a "maluquice" dele seja simplesmente ficar sozinho sem depender de assistencias.
    Adorei a postagem. Leva longe a imaginação.
    Beijos, Fernandez.

    ResponderExcluir
  6. Muito bom Vera, vivemos e vivemos e em algum momento paramos e vemos que muitas coisas passaram sem que nossos olhos percebessem que os acontecimentos se faziam diante de nós. Precisamos estar com olhos abertos e sábios ao ponto de perceber.
    Abraços forte
    Boa tarde !

    ResponderExcluir
  7. Cheguei aqui por acaso e fiquei surpreendida!
    Uma crónica lindissima que me prendeu. Temos tendência em julgar as pessoas pela aparência e quanta riqueza esta gente guarda dentro de si. Sabemos alguma coisa graças á insistência de pessoas como a Vera que advinham o filão que há por dentro.
    Parabens.
    Beijo
    Graça

    ResponderExcluir
  8. Vera quantos velhos da beira do rio encontramos todos os dias. Quantas histórias e questionamentos. Mas o tempo urge, o dia-a-dia nos aprisiona em prioridades que podem muito bem ser questionadas.
    Gostei da Crônica. Grande Abraço.

    ResponderExcluir

Seu comentário será bem vindo! Obrigada.

Clic para compartilhar com...

Compartilhe, mas mantenha minha autoria, não modifique,não uso comercial

 
BlogBlogs.Com.Br
diHITT - Notícias