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sábado, 21 de janeiro de 2012

A pastora e o predador em seu quintal...

  Havia uma mulher, não sei que idade tinha, ingênua e pouco experiente que um dia, apaixonada, casou-se com um homem corajoso e determinado. Pensava que em companhia dele teria, ela também, coragem para conhecer sobre o mundo e seus arredores. Ao contrário disto, ele a convenceu de que o melhor para ela seria que vivesse no campo, cuidando de suas dóceis ovelhas, nunca ultrapassando os limites de sua pequena aldeia, estando assim protegida de todo o mal. Apesar do trabalho intenso ela era feliz e se distraía com sua mente curiosa e criativa.Tornou-se uma tranquila pastora, embora nas noites de lua cheia, como suas ovelhas, sentisse certo desconforto. Os anos passaram e ela ficou um pouco doente. Nada de importante, apenas sua energia diminuía após cada tempestade, e então ficava triste porque sentia-se um tanto isolada, embora naquele mesmo lugar que lhe dava segurança.
Mais tempo passou. O rebanho aumentara e ela estava sempre ocupada com sua criação. À uma parte da vida do marido, tinha pouco acesso. Nas noites que precediam tempestades, as dóceis ovelhas agitavam-se. E eram nestas noites que ele se ausentava ou chegava tarde, mas lhe dizia que ela não deveria perguntar onde estivera. Curiosa como era, não se conformava, pois exatamente nestas noites ela tinha de ser mais corajosa para tentar proteger as ovelhas e tudo que era valioso de algo que nem mesmo sabia o que era,mas sua intuição dizia que não era bom. Insistia para que ele a convidasse para divertirem-se à noite, seria uma boa maneira de sair de sua rotina solitária. Ele se aborrecia, não a queria no mundo, só para ele. Um dia ela notou que algo estranho ocorria a cada vez que ele se fechava para ela - ao contar suas ovelhas após estes episódios, percebia que seu número ia diminuindo. O tempo continuava a passar e seu rebanho de alegres ovelhas diminuía...
  Até o dia em que ela resolveu penetrar na noite, com uma lanterna, e ver o que ocorria. O que ela viu, ninguém sabe exatamente, mesmo porque não teve coragem para acender a lanterna. Mas conta-se que viu! Mesmo à luz do luar, viu o marido transformado em um estranho e peludo animal, que reconheceu como um devorador de ovelhas. Qual susto levou ao enxergar que, aquele homem quase sempre bom e honesto, nas noites de lua cheia que precediam tempestades, por alguma ansiedade de seus instintos transformava-se em um predador! Mas ele não se afastava, atacava apenas as meigas ovelhas que ela pensava manter protegidas na tranquilidade de seu quintal ( ou seriam, as ovelhas, inocências que habitavam o íntimo de sua alma?). Depois disto, e por um tempo, encolheu-se na segurança de sua casa e sonolenta, naquelas noites, esperava a tempestade passar, até que quase todo seu rebanho foi dizimado. Junto com o rebanho, ela também enfraquecia, sentia-se vazia, sentia-se morrer.
  Então numa noite, inspirada novamente pelo ciclo de vida-morte-renascimento em seu quintal, ao ver algumas de suas ovelhas com suas crias recém nascidas, encheu-se de coragem e decidiu enfrentar seja lá o que fosse aquilo em que seu marido se transformava.  Armou-se, trancou-se com elas em casa, ficando desta vez, com os olhos bem abertos, de prontidão para revidar qualquer ataque às ovelhas, com unhas e dentes. Assim o fez durante algum tempo, quando ele vinha e de um modo ou outro, tentava enfraquecê-la com seu jeito traiçoeiro de animal predador, que nunca antes encontrara limites. Ela, de início ficou apenas na defesa. Ora temia atacá-lo e não ter coragem de enfrentar as consequências, ora receava ser injusta. Ainda temia que aquela incompreensível maldição pudesse passar para ela, devido ao ferimento que ele lhe causara quando uma vez lhe atingiu com a pata, ao tentar atacar uma de suas frágeis ovelhas. Sim, ela viu o arrependimento nos olhos dele e também seu estranho amor. Mas estava ferida. Seria contagioso? Não queria que acontecesse com ela o mesmo que ocorria com ele. Poderia viver sem ele ou teria de encontrar uma maneira de apenas controlar aqueles eventos que se tornavam mais frequentes, porém menos assustadores depois que ousou manter as luzes acesas, durante aquelas noites?
  Uma noite, porém, sentia-se tão cansada que pensou desistir. Foi neste instante, em que vacilava mais uma vez, que as fêmeas do rebanho se juntaram perto da porta para protegê-la, como se por instinto, soubessem que era isto que deveriam fazer. E como tomada pela energia de todas as ovelhas gentis mas acuadas, ela reagiu. Não ia mais culpar-se por mostrar sua força, nem sentir-se mal por carregar em si sua coragem, e o enfrentou. Junto com a força instintiva das fêmeas que vieram antes dela, ela o enfrentou. E por amor a si e até mesmo ao homem que ele era quando não estava sob o feitiço das noites de insegurança de suas próprias tempestades, ela o empurrava para um quarto escuro e lá o trancava, já que ele não podia controlar seus impulsos de predador, impedindo-o de agir sôbre elas, as frágeis ovelhas que viviam ainda em seu quintal.
  Assim, salvou as meigas ovelhas que lhe sobraram com a esperança de que multiplicassem. Dizem que ela não é mais ingênua como antes, suas ovelhas não são mais tão dóceis, contudo as pessoas vêem os dois, ainda por aí, quando o tempo está bom, andando de mãos dadas, como um casal amoroso que convive bem... e então, ela é feliz...
  Conta-se também, não sei se é verdade, nem quero dizer em voz alta mas, dizem que nas noites de lua cheia, quando começa o ouvir os trovões de uma tempestade que se aproxima, imediatamente ela se transforma, e nas suas patas, digo, mãos, crescem pêlos!!
Texto: Vera Alvarenga
foto da pintura de Annita Catarina Malfatti - 1955 - Pastora e Ovelha
retirado do site catálogodasartes.com.br 
Técnica : Óleo sobre madeira
Dim. : 60 x 54,5 cm

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A mulher, a loba e a benzedeira...

 Há muitos anos atrás numa pequena e calma vila, onde morava gente simples, comum, havia uma boa mulher, que antes fora também comum como todo mundo, até o dia em que bebeu a água da fonte proibida e ficou doente.
Ninguém ao certo sabia porque era proibido, às mulheres da vila, beberem daquela fonte, mas assim era. Como as mulheres eram ingênuas, em sua simplicidade obedeciam sem discutir. Aliás, há muito tempo que, só  homens fortes e corajosos ou animais sedentos se serviam da água que, conforme se dizia, tinha gosto amargo, estranho. Não faria bem para mulheres, com sua frágil constituição. Embora pouco comentado sabia-se também que a água, que escorria um tanto escura da fonte por estar à sombra das árvores, ao ser tocada por uma mulher, resplandecia como se fosse banhada pela luz do sol, pura e cristalina. Talvez este mistério fosse o sinal de que era algo sedutor porém perigoso, que devia ser evitado.
No passado, naquela vila, as que tinham ousado experimentar da água sofreram males para os quais os médicos da época não conheciam a cura. Algumas enlouqueciam ou eram tratadas como se tivessem perdido o juízo.De qualquer modo, perdiam algo precioso para si. Isto justificava portanto, a proibição feita para proteger as mulheres e explicava a pacífica atitude de obediência a ela.
Um dia porém, aquela mulher que há anos morava na casinha toda florida e enfeitada, aquela ingênua e boa mulher comum mas nem tanto assim, aquela que de vez em quando, distraída dançava e cantava em seu jardim não se dando conta de alguns olhares curiosos de quem por ali passasse, um dia ela, não só tomou da água mas escorregou e caiu na poça em frente à fonte, e nela se molhou inteira. Deste modo, ao voltar para casa, de início envergonhada, pensou que deveria esconder sua insensatez, mas não conseguia, mesmo porque a água que molhara sua roupa atraía os olhares, e ela se sentiu nua. Ao caminhar em direção à sua casa ouviu cochichos, mas não se importava porque sentia dores nos olhos, via o mundo de forma diferente e não sabia ainda o que mais viria como consequência de sua ousadia. Apenas tinha a certeza de que, pela primeira vez era urgente que cuidasse de si.
O pior estava mesmo por vir! Ela, que era tão comum e ingênua, às noites ficava completamente exausta, como se notasse pela primeira vez que suas forças finalmente estavam exauridas. O que antes lhe dava prazer, agora a lembrava de sua fragilidade e ela já não sabia se isto era bom ou ruim. E, durante algumas noites de lua cheia ela chorou, e seu choro podia ser ouvido por toda a vila, como se fosse o uivo de uma velha loba ferida. Ela não se envergonhou por isto, nem por sua voz. Contudo, durante o dia, algumas pessoas a aconselharam a aquietar-se, para o bem de todos ou por diferentes motivos. De início ela usou da artimanha de amordaçar a si própria, com um lenço de seda, nas noites de luar. Foi então que de seus olhos vermelhos começaram a saír faíscas e ela foi obrigada a olhar-se no espelho a cada vez que pingava colírio. E viu sua culpa, sua ingenuidade, sua vergonha e sua força. Sozinha,chorou de tristeza, de dor, de raiva e de amor até calar-se.  E, quando não havia mais lágrima pra chorar, e todos os pássaros fugiram de seu jardim, foi então que ela recebeu a visita de uma velha benzedeira.
  - Benze meus olhos, para que eu veja como antes...pediu.
  E a velha lhe disse que tudo ia passar mas que ela estava se transformando, e como não se pode ter um dia igual ao outro após uma grande tempestade que derrubou árvores, fez estragos e abriu clareiras, assim também ela teria de recomeçar a cada dia, vendo a luz e a sombra, chorando e sorrindo, buscando dentro de si a luz do amor e dançando em seu jardim quer fosse sozinha ou acompanhada por quem tivesse a coragem de compreender a dor de suas perdas e o valor de suas conquistas. Ao se despedir, a velha não lhe deu o abraço que ela desejava receber, mas um conselho:
  - Acima de tudo, por mais que lhe seja difícil compreender sem culpa, acredite que jamais serás a mesma, terás de aprender a defender-se como defendias as tuas crias e a voltar a crer em seus instintos, mas isto não é um castigo, é uma benção...
   Texto: Vera Alvarenga
   foto: Google images.

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