quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Descascando laranjas...


 Ontem escrevi sobre laranjas, com nostalgia de quando eu as chupava na porta da minha cozinha, depois de adulta. Saudades também da Cora, minha cocker esperta, inteligente, alegre e companheira. E chupar laranjas me lembrava a infância e trazia boas sensações.
  Uma amiga minha, a Sissy, comentou sobre como se lembrou, ao ler o que escrevi, do seu pai descascando as laranjas para ela.
  Muitas vezes meu pai descascava-as para mim. E com aquele jeito seu, calmo, paciente, tirava primeiro as cascas, depois toda a parte branca e finalmente, cortava os gomos ao meio e retirava as sementes. Isto, como contei à minha amiga, era como um ritual dele, um ritual de relaxamento, de encontro com a paz. E era bom, tão bom que ficou em mim e quando tive tempo de repetí-lo, a sensação de paz acompanhou-me por aqueles momentos que durava aquele simples ato de descascar e chupar laranjas, olhando para o quintal.Parece que, naquela época, o relógio não andava tão rápido e havia até algum tempo para se conversar alguma coisa, enquanto se chupava laranja, ou melhor, enquanto a gente esperava aquele ritual terminar. Ainda que hoje eu as prefira chupar de tampinha quando estão bem doces e ninguém está por perto, chupar laranjas me leva a um momento de prazer e paz.
   E eu vi meu pai fazer isto muitas vezes. Com mexericas também... e tirava as "pelinhas", os fios,e oferecia à minha mãe e a mim. Pais geralmente fazem isto para as filhas. É uma forma de cuidar. Se fosse com os meninos talvez ele pegasse um canivete e dissesse:
- Vai lá, pega uma laranja que vou te ensinar a descascar.
  E não deixa de ser uma forma de cuidar, preparando aquele garoto que, mais tarde vai descascar laranjas para suas "meninas". De qualquer modo, era um momento de intimidade, porque a TV geralmente não estava ligada a todo volume, nem os jogos de computador e, assim, eram instantes para se ficar lado a lado. Com "filha mulher", como se dizia antigamente, é diferente. Os pais ensinam mas gostam de ser gentis. Aliás, mesmo não tendo filha, eu vi uma vez meu marido em um momento como este. Ele, que costuma dizer que não tem paciência para nada, estava lá, sentado no sofá da sala descascando mexirica e tirando os fios, para uma garotinha pequenina, amiga de meu filho mais novo. Eu ouvi quando ela pediu, toda meiguinha, para o "tio" tirar os fiozinhos...E aquilo se transformou em um momento de ternura, de cuidado.
  Acho que os homens antigos, de um modo geral, esforçavam-se ou gostam naturalmente de "cuidar" das garotinhas, não naquele sentido de atender no cuidado com a saúde, que disto eles se pelam de medo, mas no da gentileza. E as garotinhas e nós mulheres, sempre gostamos destas gentilezas, por que não? Aceitá-las faz parte do processo de criar vínculos, escrever história, proporcionar ao outro a experiência do saber que seu gesto foi bem recebido.
  Tomara que homens e mulheres continuem assim hoje, com a oportunidade de dar e sentir-se aceitos, de receber e sentir gratidão. Seja num simples descascar laranjas ou não. Porque sem dúvida, isto preencherá nossa história e memória de boas sensações. E nós, ficaremos mais mansos.

Foto: retirado Google imagens
texto: Vera Alvarenga

3 comentários:

  1. Alô, Eu sou a Sissy! :) rsss...

    Voce disse tudo: o meu pai gostava de cuidar de nós, as suas filhas. Ele tinha este carinho e nos tratava de maneira muito "feminina", para que aprendessemos a ser. Eu fui mais lapidada do que minha irmã. Se ele estivesse vivo hoje teria 97 anos. Nasceu num tempo de mais pudor, de mais família, de mais cuidados com as "mulheres". Quando os homens mais velhos cediam lugares para as pessoas mais jovens ou enfraquecidas. Abriam as portas, sentavam-se por ultimo, era feio fazer isso ou aquilo. Bons modos sempre!

    Amo mexericas! Sinto o cheiro delicioso só de imaginá-las. Tem vezes que gostaria de esfregar na minha pele só para ficar com aquele aroma! rsss...

    Foi otimo voltar aqui. Temos sempre afinidades.

    A propósito, o meu pai se chamava Luiz.

    Bjs

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    Respostas
    1. O meu se chamava Raul. Temos afinidades sim, Sissy, e em meio à dificuldades que todos temos, tivemos uma infância feliz e sorte de poder colecionar tão boas lembranças, e acima de tudo, de poder ver o mundo com os olhos do coração. Adoro nossos papos por aqui. É um jeito de ficarmos próximas...rs...Beijos.

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    2. Vera, cada vez mais tenho certeza que nossas gerações viveram!
      Viveram um mundo melhor e que a maioria não precisava pular etapas.
      E tudo era tão mais simples!

      Bjs

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