quarta-feira, 5 de junho de 2013

A mulher da floresta...

   
  Havia uma mulher estranha, outrora bela, que hoje morava numa floresta. No interior do tronco de uma árvore muito antiga.
Por muitos anos, todas as manhãs abria sua janela para receber a luz do sol e ouvia o canto dos passarinhos que ali viviam. Ela os alimentava com o melhor que lhes podia oferecer. Então era feliz e achava que o sol brilhava um pouquinho também por ela, e que os pássaros também cantavam um pouco para ela, embora soubesse que era da natureza de cada um, fazer o que fazia.
   E ao preparar seu café da manhã, uma poção que tomava todos os dias, misturava suas coisas com a dos outros... 
   Assim, acrescentava um pouco do brilho do sol e algumas notas de um pássaro em especial em sua receita. Como se faz com vinhos ou perfumes, estas "notas", ela pensava, na medida exata, eram o que a fazia sorrir e enfrentar tudo o que o mundo lá fora trazia como desafio, tudo que pudesse de algum modo interagir com sua sensibilidade e jeito próprio de viver sua vida. Era no que acreditava. E ela se sentia forte e cheia de amor.
   O tempo foi passando e quase todos os passarinhos voaram para outros mundos. Um inverno mais rigoroso chegou, ela não se sentia tão forte e o sol não brilhava mais como antes. Nem o chá de maçã, vinho e canela bem quente podia aquecê-la como outrora. Ela pensou que ia morrer de frio e desânimo, sem a poção com a tal receita que tomara por tanto tempo. Já não abria mais sua janela para não congelar-se.
   Um dia, o vento inesperado abriu a tranca... o sol entrou... e ouvindo o canto de um novo pássaro, seu coração encheu-se de amor. E ela, que já não sorria, voltou a fazê-lo toda vez que ouvia a canção. 
   E novamente se pôs a misturar tudo - as suas coisas, o brilho do sol que para ela representava vida, e o canto do pássaro, que para ela era a inspiração que, como um sopro morno, esquentava-lhe a alma.
   Sem saber se cometia o mesmo erro ou se era próprio da vida, constatou que o amor que a sustentava, não podia brotar eternamente apenas da sua fonte interior. Para encher-se de amor, era preciso mais - o sol e o canto de um pássaro raro que lhe tocasse a alma, como amigo. E quando aconteceu, embora não tivesse a mesma coragem de antes, ao sair para fora, já não a incomodavam mais as buzinas, o trânsito, as injustiças, as grosserias e seu próprio medo, fruto de um tempo em que viveu reclusa e não se importou por faltar-lhe o alimento que a deixava saudável e forte. 
   O tempo passou. Ela já sabia que não bastava a sua capacidade de amar e seus próprios sentimentos, para encher-se de amor. O brilho do sol, no céu, era para todos, e brotava-lhe também incontrolavelmente do coração, quando estava feliz. Contudo, não podia fazer o pássaro cantar para si. Com medo que o pássaro fosse embora para nunca voltar, prometeu, a si mesma, tentar não misturar mais as coisas, esquecer aquela poção cuja magia transformava o mundo. Logo percebeu que repetia o que antes fizera - tentava agradar para receber amor. Talvez fosse o que todos fizessem, afinal de contas!
   Contudo compreendeu que seus sentimentos, se não compartilhados, eram apenas seus. Tomou posse deles e de seus desejos e descobriu que jamais poderia voltar a sentir-se segura e plena de amor como antes. Ninguém pode, quando perde a receita do amor. Entretando, há várias formas de amar e viver, quando se consegue manter os olhos atentos.  
   Mas em noites de lua cheia, ela ainda se deixava levar... tomava um líquido de sabor acridoce e, em pouco segundos, sentia nascerem-lhe as asas.... e sonhava que era ainda uma das mais belas e felizes mulheres aladas... e se deitava nos ombros do homem amado e adormecia embalada por sua respiração...

foto e texto: Vera Alvarenga

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