sábado, 3 de novembro de 2012

Levando flores para quem não está mais lá...

     Como tanta gente, tive sonhos, desejos, vontades. Vontade, dá e passa! Assim aprendi. Mas sonhos? não eram por coisas que eu não tivesse e quisesse vir a ter. Era mais um desejar melhorar ou resolver uma situação em que me encontrasse provisoriamente e não me agradasse. Junto com o desejo de transformar as coisas, também a noção precisa de que deveria ter uma vontade firme, visualizar a solução, arregaçar mangas e ir de encontro a ela. Primeiro com o pensamento, em seguida, com o verbo. Ah! mas sempre o pensamento vinha antes.
   Visualizar antes, era construir primeiro no mundo das idéias aquilo desejado - depois, era o sonho a ser realizado. E, se não o fosse, não deixava no coração marcas profundas, porque raramente desejava o que não podia ter. Desde adolescente, eu vivia no agora. Ainda que o presente significasse não estar verdadeiramente tanto no mundo físico mas no mundo das minhas idéias, sensações, emoções. Outra forma de estar presente era criar - uma canção, poesia,artesanato. E entrava nesta ação por inteiro, o que não deixava tempo para pensar no que eu não tinha, talvez porque este mundo de emoções, sensações e criação fosse suficientemente rico. Na verdade, não sei muito bem do que se tratava, apenas era assim.
   Não me lembro de frustrações, nem de grandes sonhos para o futuro. Acho até que não os tinha! Nem frustrações, nem grandes sonhos, nem grandes paixões. Não tive uma paixão não correspondida, a não ser aquela dos treze anos, tão doce, tão pura. Em algum lugar ainda guardamos uma parte de nós que é assim tão terna. Fui, isto sim, o grande sonho de alguém que depois se transformou na minha paixão, e ainda no meu amor concreto e forte, e único por toda uma vida. A partir daí, acho que fui construindo meu primeiro  sonho menos provável, embora não menos nobre - e este, era o de me moldar ao desejo de felicidade de outra pessoa, até que passou a ser o meu próprio sonho. E se era também o meu, dependia de possibilidades que eu criasse. Assim, os que sonham não se encontram no vazio, porque tem muito a fazer!
  Não ter sonhos impossíveis quando menina, não foi uma artimanha inteligente de minha parte para não sofrer, ou não decepcionar-me com o mundo. Era apenas o meu jeito de ser contente com aquilo que me cercava, ou de procurar com minha curiosidade natural, e ao meu redor, aquilo que achava que estava ali mesmo, só não o tinha ainda encontrado. Viver a minha vida como ela era, descobrindo nela os tesouoros escondidos, parecia ser meu desejo natural.
   Talvez minha mãe tivesse razão, afinal. Quando eu já era adulta, disse-me algumas vezes, que  me conformava com pouco. Antes, referindo-se a mim dizia que eu era cordata, serena, dócil. Mais tarde, a mesma paixão pela vida como ela era, passou a ser considerada como falta de ambição. Sem que outros se dessem conta e talvez nem eu mesma de minha pretensão, no entanto, eu tinha uma grande ambição - viver um grande amor, sem desperdiçá-lo, alimentando-o constantemente, sem acomodar-me ou cansar-me, jamais. Não se tratava de algo impossível mas quase! e dependia de comprometimento.
   De qualquer maneira, não me lembro de demorar-me a sonhar com o que estava longe de conseguir. Não! Nunca sonhei apanhar o que não podia alcançar. Não costumava demorar-me por muito tempo, a desejar o que não tinha. E o que tinha era a minha vida, do jeito que ela era. E do jeito que eu era, havia então, sempre muito o que fazer para preencher qualquer vazio que ousasse surgir.
   Me pergunto - como poderíamos, afinal, desejar o que não fosse a própria vida do jeito que ela é? Onde encontrar tempo além do que dedicamos a ela e ao garimpar pepitas naquele conhecido solo sagrado?
   Como se pode sentir falta de algo que estava em um sonho ou saudades de quem nunca fez parte real de nossa vida? Talvez, então, vez ou outra e de tão cansados de não sonhar nada tão grandioso, tenhamos logo sonhado o mais inalcansável, a derradeira esperança, o amor impossível?! Como poderíamos deixar uma saudade crescer dentro do peito e nos abater tão inesperadamente, cada vez que nos defrontamos com um espaço vazio, no tempo da maturidade? Por que este descontentamento divino nos faria lembrar daquele sonho que dissemos que nunca teríamos?
   Por que lembrar dele ?  Porque lembramos de nossas perdas e sonhos também o são! E dói,como em dia de Finados levar flores ao ser amado que já não está mais lá. Mas é nossa maneira de prestarmos homenagem a um amor tão simplesmente puro, e doce, e belo, e grande...
   É...nunca tive sonhos, desejos impossíveis... tinha sido sempre assim...
   E como a vida não nos deixa passar incólumes na presunção de que nos safamos para sempre de algo que deixa marcas ou vazio profundo... hoje eu sei, tive então, minha cota de impossibilidade e perdas que realmente me importaram, e bem numa idade onde não nos deixamos importar com qualquer bobagem. E continuo, nem sempre com a minha costumeira serenidade, a tentar explicar a mim mesma o inexplicável, a tentar compreender como me deixei pegar assim, tão desprevenida,em três momentos da minha vida e todos na maturidade, nos quais sonhei encontrar nos olhos de pessoas diferentes, o amor como o que eu, naquele momento, sentia e desejava...aquele que parecia inadiável para resgatar o significado do passado, pacificar o presente e acomodar um futuro... e aconteceu na maturidade, talvez porque seja neste tempo que colhemos os últimos frutos e de uma maneira mais consciente aprendemos a ver mais claramente nossas reais necessidades... Na maturidade, o que pensamos que tínhamos resolvido com nossa excessiva complacência por nós ou pelos outros, ou deixando pra lá, vem nos assombrar, até que, enfim acabamos por seguir pacificados ou finalmente rendidos ao tempo.
foto e texto: Vera Alvarenga.   

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