terça-feira, 28 de setembro de 2010

Olhou para ele, como se fosse pela primeira vez...


Um dia, após algum silêncio,olhou para ele e o viu como se o estivesse vendo pela primeira vez, nos últimos anos.
Toda aquela impaciência e agressividade não foram dirigidas a ela, especificamente. O olhar de raiva com que a olhara e que tantas vezes a magoara. Só agora compreendia claramente. Ele o dirigia a qualquer um que o interrompesse quando estava a fazer inúmeras combinações em jogos de loteria que certamente teriam chance de ser contemplados, quando assistia uma notícia política e se imaginava lá, mostrando como poderia resolver o problema ou mesmo quando, recentemente se descobriu poeta e estava a escrever poesias.
Mesmo que fosse uma questão de trabalho, ou uma frase amorosa dela, lhe oferecendo algo que ele gostava?! Por que me tratar assim?
Era a raiva com que inconscientemente recebia tudo que o despertava de seus sonhos!!
Não teria um homem o mesmo direito de sonhar, como tem as mulheres? Era o que ela se perguntava agora.

Não importava comparar diferenças entre seu modo de reagir e o dele. Não era novidade que eram muito diferentes. Ele sempre tivera um jeito mais agressivo de reagir ao mundo, e por sua história de vida acreditava que com força e crítica se conseguia aprender e ensinar mais, diferentemente do modo dela encarar as mesmas questões.
 O que importava a ela agora, era perceber que ao businar para assustar alguém que atravessava a rua sem prestar muita atenção, ele realmente acreditava estar lhe fazendo um favor, e se isto a aborrecia, era simplesmente porque ela estava ao seu lado, naquele momento. Que o olhar duro que lhe dirigia, não era para ela; ela apenas o acordara do sonho. Muitas coisas a vida negou a este homem, porque ele teve sonhos grandiosos! Esforçado, corajoso, decidido, dizia que era feliz, realizado, era amado por ela, pela família,mas ela percebia nele a inquietação de quem não tivera oportunidade de realizar muitos dos seus sonhos.Talvez ele não soubesse como lidar com isto. Portanto, já não tinha medo dele agora, olhava-o com maior compreensão sobre o que antes pensou que ele fazia para feri-la. Ela o via como ele era. 
Tinham algo em comum – a inconveniente inquietação dos sonhos que não puderam ser realizados. E ambos, continuavam a sonhar seus sonhos...
Texto : Vera Alvarenga
Foto: alterada no photoshop - pode ter direitos autorais

2 comentários:

  1. Vera,
    Eu sou um homem exatamente desse tipo. Mas, quando nos casamos, irremediavelmente abandonamos sonhos antigos para acalentar sonhos a dois. Depois de casados, não tem esse negócio de "meu sonho" e "sonho dela". Ou são nossos, ou não será de ninguém.

    Tem um refrão do Zeca Baleiro que diz assim:

    "Se o mundo não for seu, não será mais de ninguém / se o mal é meu/ é seu também.../ Se o mundo já foi de Deus/ hoje deve ser de alguém/ se pertence aos seus,/ aos meus também".

    Existe apenas uma exceção: quando nos casamos durante a realização de sonhos em comum. Aí sim: casais de cientistas, arquéologos, artistas, políticos. etc.

    Bjs!

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  2. Os sonhos não acabam, minha querida amiga Vera. Os sonhos, mesmo os não realizados, continuam sendo sonhos, mesmo que no silêncio dos não realizados. Alguns, mudam o jeito de ser. Por isto são eterno.

    Assim, como este casal do seu conto. A inquietação dos sonhos, afoitos pelo emergir, mexendo com a alma.

    Muito delicado o que escreveu.

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