Hoje, antes do almoço, bem naquela hora em que dá uma vontade de comer alguma coisa, vi umas laranjas na cesta de frutas. Estão azedas, isto sei pela cor das cascas, de um amarelo esverdeado, sem as pintinhas marrons no laranja forte que eu acho que indica a doçura da fruta. Como prefiro-as doce e estando com pressa, passei rapidamente. Não peguei nenhuma. Contudo, logo ao passar meu pensamento me levou de volta à porta de minha cozinha, lá no quintal, na casa de Florianópolis.
O pensamento é uma coisa mágica. Ao mesmo tempo que meu
corpo sentou-se de volta em frente à gaveta do escritório onde procurava uns
papéis, meu pensamento levou-me para longe. Por uns momentos parei e apenas me
deixei levar junto com a lembrança. Foi bem no tempo em que eu criava o hábito
de parar com tudo que estivesse fazendo, logo antes de começar a preparar o
almoço, pegava umas 2 laranjas, sentava-me à porta da cozinha, encostava-me na
soleira e começava a descascar os frutos. Ali, sentada, aproveitava para
relaxar olhando para o quintal da casa. Eram apenas alguns minutos, mas eu
tinha decidido não deixar escapar esta oportunidade de curtir duas coisas novas
e boas que haviam recentemente entrado em minha vida . Chupar laranjas era uma
delas. Apreciar o quintal de uma casa à beira mar, após morar em apartamentos
por mais de trinta e tantos anos, era a outra novidade.
Não fazia isto todos os dias porque a situação estava
difícil e nem sempre tínhamos laranjas, mas, sempre que o fazia, tinha uma
companheirinha ao meu lado, a Cora, minha Cocker cuja cor também era laranja,
ou dourada, como preferiam os criadores de cães. Quando meu marido estava em
casa, eu descascava uma para ele também. E tinha de ser de tampinha. Aquele
jeito de chupar laranja que me lembrava a infância. E tinha de ser mesmo de
cara para o quintal, porque não é o jeito mais elegante de chupar laranja e,
muitas vezes junto com a careta que fazemos para abocanhar o fruto, tem o
barulho e o suco que escorre pelo canto da boca. Nada elegante, mas delicioso
de se fazer! Em pouco tempo a vida melhorou e nos acostumamos com este momento,
eu e a Cora. Este hábito durou por quase dois anos, enquanto moramos naquela
casa que era alugada. Faz tanto tempo isto, quase dezessete anos! Mesmo assim,
só de lembrar me deu água na boca.
Hoje, tomo um cafezinho antes do almoço. Sento-me no
terracinho do apartamento e olho para as árvores do condomínio, o que também me
dá prazer, embora Cora não esteja mais aqui. Contudo, pensando bem, meu marido
também deve ter gostado daqueles momentos de partilha, porque hoje, quando
temos laranjas ou mexericas, frente à TV, à noite, ele descasca algumas e me
oferece. E quando estão doces eu aprecio, mesmo que não seja mais olhando para
o quintal.
E ainda gosto de chupá-las de tampinha.
Foto: Google imagens
crônica: Vera Alvarenga