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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Chupando laranjas...


Hoje, antes do almoço, bem naquela hora em que dá uma vontade de comer alguma coisa, vi umas laranjas na cesta de frutas. Estão azedas, isto sei pela cor das cascas, de um amarelo esverdeado, sem as pintinhas marrons no laranja forte que eu acho que indica a doçura da fruta. Como prefiro-as doce e estando com pressa, passei rapidamente. Não peguei nenhuma. Contudo, logo ao passar meu pensamento me levou de volta à porta de minha cozinha, lá no quintal, na casa de Florianópolis.
O pensamento é uma coisa mágica. Ao mesmo tempo que meu corpo sentou-se de volta em frente à gaveta do escritório onde procurava uns papéis, meu pensamento levou-me para longe. Por uns momentos parei e apenas me deixei levar junto com a lembrança. Foi bem no tempo em que eu criava o hábito de parar com tudo que estivesse fazendo, logo antes de começar a preparar o almoço, pegava umas 2 laranjas, sentava-me à porta da cozinha, encostava-me na soleira e começava a descascar os frutos. Ali, sentada, aproveitava para relaxar olhando para o quintal da casa. Eram apenas alguns minutos, mas eu tinha decidido não deixar escapar esta oportunidade de curtir duas coisas novas e boas que haviam recentemente entrado em minha vida . Chupar laranjas era uma delas. Apreciar o quintal de uma casa à beira mar, após morar em apartamentos por mais de trinta e tantos anos, era a outra novidade.
Não fazia isto todos os dias porque a situação estava difícil e nem sempre tínhamos laranjas, mas, sempre que o fazia, tinha uma companheirinha ao meu lado, a Cora, minha Cocker cuja cor também era laranja, ou dourada, como preferiam os criadores de cães. Quando meu marido estava em casa, eu descascava uma para ele também. E tinha de ser de tampinha. Aquele jeito de chupar laranja que me lembrava a infância. E tinha de ser mesmo de cara para o quintal, porque não é o jeito mais elegante de chupar laranja e, muitas vezes junto com a careta que fazemos para abocanhar o fruto, tem o barulho e o suco que escorre pelo canto da boca. Nada elegante, mas delicioso de se fazer! Em pouco tempo a vida melhorou e nos acostumamos com este momento, eu e a Cora. Este hábito durou por quase dois anos, enquanto moramos naquela casa que era alugada. Faz tanto tempo isto, quase dezessete anos! Mesmo assim, só de lembrar me deu água na boca.
Hoje, tomo um cafezinho antes do almoço. Sento-me no terracinho do apartamento e olho para as árvores do condomínio, o que também me dá prazer, embora Cora não esteja mais aqui. Contudo, pensando bem, meu marido também deve ter gostado daqueles momentos de partilha, porque hoje, quando temos laranjas ou mexericas, frente à TV, à noite, ele descasca algumas e me oferece. E quando estão doces eu aprecio, mesmo que não seja mais olhando para o quintal.
E ainda gosto de chupá-las de tampinha.

Foto: Google imagens
crônica: Vera Alvarenga

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

- "O homem, herói desnudado..."

Dois homens diferentes... tão diferentes que agiam de modo oposto, em lugares distintos. Inseparáveis há tanto tempo, que Mauro já não sabia mais contar os meses desta “amizade” assim tão estreita, na medida certa, indispensável. E não era coisa de “bicha”, não! Ele nem tinha nada contra quem fazia esta escolha, mas no caso dele, não se tratava disto. Era uma convivência equilibrada, Mauro pensou, pois conseguiam viver independentemente e com total liberdade, cada um dos dois, seus próprios momentos, cada um dos dois com seus pensamentos e mesmo assim, inseparáveis.


Quando se encontravam, as diferenças pareciam não importar.

Há muito tempo que se entendiam bem, por isto, tinham consciência que de todos, de todos aqueles que formavam o seu mundo, eles eram a “dupla” perfeita – o que para um, era inconcebível, para outro era apenas uma questão de idealizar e fazer acontecer. O que para um, era motivo de precaução ou reverência, para outro era apenas agir e seguir em frente. Compreendiam-se, admiravam-se e havia amor entre eles, se é que é possível imaginar o que sentem dois heróis numa guerra, que sabem que colocaram nas mãos um do outro, seu maior tesouro: a própria vida!

E agora, pela primeira vez, eles brigaram. E a coisa tinha sido muito séria. E tudo por causa de uma “mulher” !

Mauro caminhava a esmo. Era noite, não era hábito seu, sair a caminhar pelas ruas, sem rumo, mas não suportaria ficar nem por mais um minuto, preso entre paredes. Era preciso respirar, pensar. Sentia-se pela metade. Incompleto, como se fora rasgado desde a cabeça, de alto a baixo, como folha de papel, com um segredo ali gravado que alguém quer destruir rapidamente.

O golpe fora fatal ! Golpe cruel, sem que se pensasse nas conseqüências, um tendo acusado o outro da pior coisa com que, homens poderiam se acusar : traição! Traição daquelas que mexem com a honra, com o cerne do ser humano. Traição que leva à uma ruptura que não se consegue reparar, jamais.

Com tantos anos e histórias que viveram ou sabiam, juntos, mesmo que estivessem atuando em lugares diferentes, era difícil caminhar agora, assim sozinho. Parecia que andava capenga, o chão balançava, sob seus pés. Sentia-se tonto, em alguns momentos, como se estivesse com o equilíbrio alterado, como se estivesse com o labirinto destruído! Sim, era isto! Sentia um pouco de enjôo, até. Precisava sentar-se, encontrar um lugar quieto, silencioso, onde pudesse sentar, beber e colocar a cabeça, e não só ela, no lugar, para poder pensar no que fazer para sobreviver.

Foram anos de acordos entre ambos. Ora um, ora outro tomava a frente nos negócios, junto à família, ou amigos... afinal, eram sócios em quase tudo. Quase tudo!

Só com esta mulher, esta maravilhosa mulher, que se tornara tão importante para ambos, quase ao mesmo tempo, só com ela não haviam conseguido entrar num acordo.

E tudo porque houve uma traição! Eles eram diferentes. O sentimental, cedeu primeiro aos encantos dela, que era tão terna e forte ao mesmo tempo, o que o encantou. Reconheceu e confessou que estava apaixonado, “caiu de quatro”, escravizou-se por aquele olhar, logo de início, pois apesar de ser “homem”, era sensível e romântico, e carente de uma companhia assim feminina, que fosse cúmplice dele, em suas aventuras pela vida!

O outro? Tentou dissuadi-lo, chamar-lhe à razão :” Não podes entregar-se assim, homem! Ou pelo menos não o demonstre, ou vais sofrer danos.” E ele, que sempre andara um pouco à sombra do outro, não por ser covarde, mas por achar mais conveniente não se expor, cedeu à pelo menos parte do conselho – e tratou de evitar entregar-se por inteiro, diminuiu os elogios, guardou as demonstrações de afeto para ocasiões em que não houvesse risco de pensarem, ela e outros, que era um “fraco”.

Entretanto, o outro,dentro daquela couraça que o protegia, aquele que era dos dois o mais forte aparentemente, tinha um coração de manteiga. Admirava nela uma e outra coisa, até que percebeu que era melhor tomá-la logo pra si, antes que outro o fizesse. E já que não era muito de mandar recado, era um homem de ação, agiu a seu modo, rápido, como cavaleiro heróico, tomou-a nos braços, possuiu sua rainha e prometeu-lhe seu império! Ela se deixou envolver e passou, a partir dali, a viver para satisfazer seu herói. Tudo fazia para agradar-lhe. Ampliou seu jeito terno, perdeu aparentemente sua força e cedeu aos caprichos daquele que arrebatou seus sentimentos. E ele o fez, não por ser semelhante a ela, mas por ter a coragem que ela não tinha e ser tão decidido, que ela lhe entregou, sem pensar, o seu destino.

O outro calou-se de início. Depois, compreendeu que era melhor assim. Tudo se encaixava bem e eles conviviam com ela, no que parecia ser o mais conveniente. ela fazia sexo com os dois. O tempo passou e Mauro percebeu que ela definhava. Ela, que antes perdera sua força, perdia agora um pouco do brilho, perdia também a ternura, lutava, debatia-se para não morrer. Então ele reconheceu nela, as lutas que ele próprio já havia travado, e perdido ou ganhado. O outro a estava matando? Então seria sua 2ª traição e isto ele não podia suportar! Precisava tomar uma atitude. Foi quando ela partiu. Foi embora.

Eles eram muito diferentes, quase opostos. O mundo rodou, abriu-se o chão sob os pés daquele homem, um tanto rude e sarcástico, forte e decidido, crítico e possessivo, que tinha dentro de si, um coração sensível. Ele já não sabia mais como ser inteiro, como juntar suas partes, como demonstrar a ela, que era terno e ainda era o seu homem. Não se acostumara a demonstrar amor !... a não ser, no leito. E, ultimamente, era sempre aquele, o que cedia, que ela preferia para deitar-se com ela, como se quisesse deixar fora do quarto a armadura junto ao rude herói . E ele, lá se entregava, como um menino... e a amava, como um homem pode amar quando vê além de si mesmo. Amava verdadeiramente e tudo valia a pena!

Agora, ele estava com o coração partido. Ela se foi.

Em frente ao copo vazio, na mesa do bar, ele sabia que naquele momento teria que tomar uma decisão. Ele nunca mais demonstraria seu amor novamente a outra mulher, nem a ela !... ou, quem sabe, por ela, ele ainda tentaria unir os dois homens que havia dentro de si – dois homens tão diferentes, ainda unidos pelo coração.

Crônica/pequeno conto - de Vera Alvarenga



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