O tempo, a mulher e o vento...
Olhava através da janela. As
árvores, balançando loucamente seus galhos e folhas ao lado da casa, mostravam
que a ventania que estava prevista havia
chegado. Ela já aprendera a notar seus sinais e tinha de se proteger, mas não o
fez. Deixou vir...
Chegou, contudo, antes da hora!
Olhou para dentro de si, a areia, as marcas. Alguém já dissera que o vento leva
tudo, apaga as marcas, destrói castelos. Não faz mal! pensou. Não eram os
castelos de areia que ela queria preservar, eram as marcas. Queria escrever uma
história com elas, sob a areia, na terra sólida, na pedra. Algumas marcas tinham sido feitas
recentemente, palavras escritas "a dedo", escolhidas entre os
sentimentos que vem para ficar.
Olhou novamente para fora. O
tempo havia trazido o vento, que sacudiu tudo. Só folhas novas e vigorosas
permaneciam no lugar. Em seu coração agora, o vento se acalmava. Depois que
varreu a areia, deixou tudo igual - um deserto feito de pequeninas ondas
brancas, sem nenhuma forma a se destacar, sem outra cor, só o puro branco e o
azul do céu.
Queria sair ao vento e gritar:
- Então, era isto que queria?
Depois de levantar poeira, misturar tudo, sacudir minha vida, era esta calmaria
sem gosto, sem cheiro, perfeitamente asséptica que me enviaria nas mãos do
tempo? Era isto que seu mensageiro tinha guardado pra mim? Foi você que o
enviou, não foi? Venha você mesmo me dizer! Não vê que não posso ser como a
terra infértil do deserto e fazer de conta que não fui fertilizada?
Simplesmente não posso ser assim! Olhe pra mim! Sou toda carne e osso, pele
permeável, contaminável, sinto o que me toca, sou real, dou frutos, me quebro,
envergo, quase morro; o que apodrece em mim, descarto, cultivo o que traz sinal
da vida... minhas marcas eu reconheço!
- Me responde, fala comigo! Não
passe como se fosse apenas a brisa indiferente, depois de feito o estrago. Não
foi o vento que o tempo trouxe, mas teu silêncio que doeu em mim. Fala comigo.
Eu, ainda não estou morta!
Voltou seu olhar outra vez, para
dentro de si. Nada podia fazer. Antes de abrir seus olhos porém, desejou
ardentemente que ali pudesse ver o que, em seu coração, acreditava - o vento
podia vir, misturar tudo, varrer lembranças, mas jamais apagaria algumas marcas
e algumas raízes permaneceriam, da vida que recomeçaria dali, com a história
que ainda seria escrita.
Texto : Vera Alvarenga
Foto: retirada do Google imagens