cont. do post da minha despedida do artesanato com Cerâmica( Parte III)
Minha crise existencial durou pouco. Resolvida a fazer o que era necessário para sobreviver, e sendo coerente com a crença de que era uma "benção" usar nossos "dons" para trabalhar com prazer... arregaçamos as mangas e, cada um de nós começou a fazer o que sabia.
Disse ao meu marido, e sócio na época: - " nosso artesanato vai ser conhecido pelo bom gosto, vai encantar os turistas que vierem à Ilha da Magia". Afinal,estávamos na cidade cujo apelido e crença(até em bruxas), combinava com meu espírito rebelde contra a realidade nua e crua de qualquer situação em que se diga que é proibido sonhar, ou acreditar...
Com uma certa vaidade lhes conto que lançamos em feiras (GIFTS) de São Paulo, nossa idéia,vendemos para lojas no litoral, cidades de vários estados e fomos até "copiados" por muitos artesãos,que como nós, precisavam sobreviver a alguma crise. Alguns eram do tipo que simplesmente copiam,usando material de segunda,acabamento de terceira e,sem nenhuma cerimônia, abaixam o preço, mas não conseguem se manter estruturados para honrar seus compromissos com seus clientes. Este, é o tipo que costumo dizer, cai de pára-quedas, desvalorizando o trabalho dos que "se dão ao trabalho" de fazer o melhor que podem em sua profissão! Alguns de vocês devem saber de quem eu falo. Outros existem, que se "inspiram" na idéia, e a partir daí fazem uma releitura, criam sua própria forma. Penso que isto é bom e, de certo modo, me agrada saber que nosso trabalho inspirou muitos outros ( até a indústria, que passou a lançar também números de cerâmica com desenhos em relevo. Mas nenhum tão bonito como o nosso!). Após algum tempo,eu também fiquei mais atenta a "novidades" de outro profissional e,quando encontrava algo bom, passava a respeitar quem o criou. É um movimento de vida mais criativa que surge daí, do que eu chamo de "inveja santa" - da admiração e respeito pelo trabalho do outro, que faz com que a gente deseje também melhorar o nosso!
Nosso artesanato nos tirou da crise, mesmo embora a Justiça não tenha tomado providência a nosso favor, em 10 anos, a respeito dos empresários que compraram nosso negócio de restaurante, e não nos pagaram até hoje!!Evidentemente tivemos muitos dias difíceis, mas preciso confessar que Deus nos proporcionou chances, que nós aproveitávamos incansavelmente.
Como no dia em que, caminhando pela praia, sem um tostão, encontramos uma moeda que nos proporcionou comprar, na aldeia dos pescadores, um peixe espada recem tirado da água! Neste dia, tivemos um almoço "supimpa!!" regado a vinho ( nosso filho mais velho, nos havia dado uma caixa do vinho de seu casamento). Para não deixar o moral de meu marido cair ( já estava muito abalado), coloquei a mesa no terraço, espalhei artesanatos no gramado em frente a casa e almoçamos ali... quem passava podia pensar que éramos dois artistas excêntricos ( rsrs...) e, também podia entrar e comprar algum artesanato! De outra vez, ao voltar da praia, sem mais nem porque, pela mágica intuição(que eu sempre agradeço a Deus por tê-la, porque acho que são segredos assoprados por anjos em meus ouvidos) resolvi entrar numa ruazinha e... na areia encontramos, sabem o que ? Espinafre! Limpo, saudável, nascendo ali, sem dono, esperando apenas por ser colhido e virar uma deliciosa macarronada com creme branco(farinha e água era barato) e espinafre... regada a vinho, naturalmente!
Como dizia, nosso artesanato nos sustentou (e também a mais 3 famílias que nos ajudaram a fazê-lo,quando as encomendas aumentaram) até que vendemos nosso apartamento em São Paulo e pudemos recomeçar, comprando uma casinha no melhor condomínio da praia dos Ingleses, a 50 mts. do mar!! Um dia eu conto como foi este presente que a vida nos ofereceu, e nós fomos correndo pegar!
Contudo,a crise, a luta para não devermos a ninguém, este trabalho artesanal, as saudades dos filhos e amigos, também nos venceu,de certa forma, pelo cansaço, pelo abuso com a saúde e pelas exigências, pois parece certo que Deus ajuda... quem cedo madruga!
Hoje,revendo algumas fotos para postar aqui, dos números de residência que lançamos no Brasil, pensei:
- " Quem sabe alguém do site social dihitt, ou da internet, tenha um de nossos modelos de números em sua residência... afinal...este mundo é pequeno". E, perguntei-me, com um certo nó na garganta:
Depois de alguns minutos, pude responder para mim mesma:
- " Como tudo que temos que deixar, porque a fase já passou, porque já cumpriu seu papel e nos fará lembrar com orgulho, parte do que conseguimos fazer de nossas vidas, quando unidos, embora com muitas brigas( infelizmente), trabalhávamos feito loucos para honrar nossos compromissos e para dar um exemplo a nossos filhos. Na parte emocional, como exemplo de um casal unido,falhamos em parte, porque brigávamos muito e parece que não sabíamos aproveitar os momentos em que a batalha da vida e o trabalho, podiam ter um descanso. Contudo, nossos filhos parecem que nos perdoam e conseguem ver nossas outras qualidades.
Por isto, me sinto em paz, porque sei que todos nós, como pais, às vezes cansamos de tentar ser perfeitos e tiramos nossas armaduras de heróis, para ser apenas falhos humanos, que tentam aprender com a vida.
texto : Vera Alvarenga
fotos: Vera Alvarenga
(por favor, leiam a última parte que virá a seguir - Homenagem aos Ceramistas e artesãos. )