Ela caminhava lentamente pelo longo corredor e se perguntava porque, ás vezes, era tão difícil deixar a luz entrar e ver as coisas como realmente estavam, sem que seus olhos se ferissem com a claridade e preferissem continuar à meia luz . O tempo havia passado tanto para ela quanto para tudo o mais naquela casa. E de novo, naquele dia, sentia que a vida fora escrita com movimentos, tons e compassos nem sempre harmoniosos, mas que ela procurou acompanhar.
Sentia-se desanimada. Por mais uma vez sua segurança estar sendo abalada por movimentos concebidos no passado, inspirados por impulso num ritmo desordenado, muitas vezes, diferente do dela. A vida, entretanto, era assim. E ela dançava conforme a música! Contudo, por vezes, sentia-se exaurida de toda a sua força. Como agora. Era assim que se sentia. E andava por aquele corredor que parecia não levar a lugar nenhum. Andava. Simplesmente andava, movida pelo movimento destituído de razão esquecido de si mesmo, como pela inércia que instiga o ir para a frente até encontrar uma barreira.
Nossa! como ela desejaria poder parar, com um objetivo em mente e um significado no coração a inspirar o próximo passo daquela dança da sua vida! Abrir os olhos realmente e abrir uma nova porta, sem medo de entrar, de olhar e de ser olhada, apesar do tempo que passou.
........... E ele estaria lá, sentado na cadeira preferida, com uma gatinha no colo, absorto, ouvindo música e lembrando do cheiro das parreiras. Talvez tomasse vinho. Haveria uma cadeira ao lado da dele, só para ela. Ela teria companhia para ouvir música. Se emocionariam juntos. Talvez...
Ela tinha vindo pelo corredor a ouvir música. A música a emocionava. Curava-a de muitas coisas. Fazia seu espírito flutuar para um lugar distante daquela incerteza, daquela falta de tranquilidade, daquela ausência de paz e da alegre mansidão que acompanha os que, verdadeiramente, não estão sozinhos quando lhes chega o período do início da velhice.
Então ela se aproximou dele. Deixou-se envolver pela música que ele ouvia. Tocou delicadamente seu ombro. Seria bem vinda?
Ele surpreendeu-se mas a recebeu como se a estivesse esperando. Pegou sua mão e a puxou para perto de si. Ela sentiu uma sensação boa tomar conta do corpo todo. Acarinhou o rosto dele, tirou-lhe os óculos e delicadamente beijou-lhe a testa, depois as faces. Ele procurou seus lábios. Beijaram-se num beijo que só não foi mais longo, porque ela não pode conter o riso. Na verdade, foi um sorriso.
Então, riram juntos. Eles desejavam poder sorrir! Ah! Finalmente ela podia descansar nele. E ele, receber o carinho dela. Eles, embora de nada tivessem esquecido, estavam imaculados, como uma pauta em branco. Este beijo e a música a curavam de tudo, até do tempo e da idade. Ele, poderia aceitar a idéia de curar-se de antigas dores. Ela podia ser feliz, sem receio de que sua felicidade por pequenas coisas fossem incomodá-lo. Havia só aquela nova canção, agora! Para os dois.
Pediu desculpas por não ter conseguido conter o sorriso. Ele já sabia porém, que ela ria com este jeito bobo, quando adorava o beijo. Ela era assim. Ria quando o beijo era bom demais. E este era, sem dúvida!
Aqueles livros na estante, o pássaro dourado na janela, a gatinha e tudo o mais testemunhavam um encontro tardio, mas de um verdadeiro e prazeroso amor a ser vivido a partir daquele instante. Não importavam as razões, as motivações, apenas a certeza de que estavam decididos a viver, da vida, os momentos que lhes restavam, numa dança harmoniosa, de quem sabe acompanhar, com passos firmes, o ritmo da música que escolheram ouvir.
foto/texto; vera alvarenga