quinta-feira, 28 de julho de 2011

A árvore antiga e a andorinha...



 Eu estava à certa distância e os observava.
   Ela, era mais jovem que ele. Podia adivinhar que os gestos discretos continham uma juventude e alegria que ousaria mostrar-se em circunstâncias favoráveis, em momentos resguardados de intimidade. Tinha uma ansiedade de ser. E seu olhar dirigia-se a ele,como se lá estivesse o que buscava.Ele, beirando já os sessenta, mantinha-se sério, aparentemente calmo mas ciente do fardo que carregava com sua tristeza e algum tédio que, por vezes, lhe amortecia a alma.
   Ora, ele mais combinava comigo,que com ela. Com exceção do tédio, que chego a pensar seria uma benção para mim, no resto éramos parecidos. Minha inquietude não é ainda tão preguiçosa, conformada e suave como o tédio. Provavelmente, no futuro que se aproxima,será.
Mas não era para mim que ele olhava e sim, para ela. E, dos dois, quem mais buscava o outro com olhar apaixonado, era ela. Ela era jovem e tudo lhe era permitido, até apaixonar-se.
   Ela sabia o que queria. Ele, talvez não quisesse saber. Mas estava lá e, gentil a olhava , alimentando nela aquela visível dedicação.
   E eu me perguntava por que motivos ela olhava com tanta ternura e adoração para aquele homem? Via-se que não era olhar apenas de luxúria, embora houvesse fome no seu olhar. Sinal de que o relacionamento não tivera tempo de satisfazer as necessidades de cada um. Será que ele saberia compreender a fome que ela tinha? 
   E eu, sabia?Ora, eu sabia, sim! Sabia que não poderia ser eternamente jovem, nem crédula, que este tipo de juventude quando se eterniza vira tolice, é tormento que não se pode carregar. Eu tinha experiência de vida para ensinar a ela o que só eu sabia - que só se pode contar com o real, palpável, ao alcance da mão. Na maturidade provamos este saber com gosto um tanto amargo, de quem sabe que remédio não pode ser sempre doce. Como ela ousava ainda ser tão jovem quando o tempo passou tão rápido para mim?
   Ver a fé que a movia, fazia-me lembrar da recente descrença que me abateu e me encheu de medo. Fazia-me desejar o unguento mágico que cura até mesmo as feridas que, de tão repetidamente cicatrizadas, tornaram-se invisíveis aos outros, mas sensíveis ao toque.
   Ela, em sua teimosia ingênua, me fazia lembrar da troca do olhar amoroso que a tudo cura e que eu mais temia carecer para sempre. Ela parecia gritar para mim acusando-me de não ser mais capaz de amar ingenuamente, a não ser que voltasse a ser como ela. Impossível. O tempo passou para mim e eu me feri no espelho quebrado.
   Para distrair-me de mim e esquecer-me dela, tentei virar-lhe as costas, deixá-la. E lá permanecia ela, como encantada - feito pé de jabuticaba nova que foi podada e parece que nunca mais vai crescer e amadurecer frutos, com aquele olhar que não se incomoda com o tempo porque ele lhe parece eterno...
   Olhei para trás...lá permanecia ela, como andorinha ou anjo de asa quebrada, que em sua fé ingênua olha a árvore frondosa e sonha ali se aninhar e ser feliz. Por que o tempo não passou para ela, só para mim?
   Se continuar assim, ela nunca será como árvore madura, resistente, calma e farta, que oferece frutos doces e sombra para quem a tem em seu quintal...para quem lhe deu estrutura de um modo ou outro. A árvore que frutifica por amor, também o faz por gratidão.Talvez algumas frutifiquem apenas porque é de sua natureza frutificar.
  Pensando bem... quem disse que a árvore não poderia abrigar uma andorinha em seu ninho, e um dia, por amá-la, sua alma não poderia ganhar asas para voar?
   Acho que vou voltar, perdoar esta jovem que tanto me provoca com sua juventude e desrespeita minha antiguidade e vou tentar amá-la, mais do que alguma vez tentei... talvez ela amadureça e não me torture mais....talvez ela envelheça, e isto me deixe triste... talvez ela me ame e nunca me deixe, e possamos seguir em paz...
 
Texto e fotos: Vera Alvarenga
   

4 comentários:

  1. Que texto lindo Vera, emociona, o texto mostra a realidade no sentido figurado das palavras, é a vida, o tempo.., tudo pode acontecer, mas tudo que foi bom permanece, lindo texto.

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  2. Obrigada minha amiga Fátima!
    É verdade sim, tudo que é bom permanece, como a criança também, em nosso interior...
    Um beijo e bom sábado!

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  3. O seu texto, Vera, é emocionante. Eu fiquei pensando como seria bom que muitas pessoas tivessem acesso a conteudos como este. Acontece que nós, eu, voce e outros amigos, somos como graos de areia neste mundo virtual! Existem produções deletáveis, enquanto outras estão mais para obras primas.

    Beijos

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  4. Sissy, quero agradecer por emocionar-se junto comigo. Realmente, eu também ando emocionada e com a sensibilidade à flor da pele, por isto tenho de escrever...
    Agradeço muito suas palavras.
    Beijos.

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