Eu
estava à certa distância e os observava.
Ela, era mais jovem que ele. Podia adivinhar
que os gestos discretos continham uma juventude e alegria que ousaria
mostrar-se em circunstâncias favoráveis, em momentos resguardados de
intimidade. Tinha uma ansiedade de ser. E seu olhar dirigia-se a ele,como se lá
estivesse o que buscava.Ele, beirando já os sessenta, mantinha-se sério,
aparentemente calmo mas ciente do fardo que carregava com sua tristeza e algum
tédio que, por vezes, lhe amortecia a alma.
Ora, ele mais combinava comigo,que com ela.
Com exceção do tédio, que chego a pensar seria uma benção para mim, no resto
éramos parecidos. Minha inquietude não é ainda tão preguiçosa, conformada e
suave como o tédio. Provavelmente, no futuro que se aproxima,será.
Mas
não era para mim que ele olhava e sim, para ela. E, dos dois, quem mais buscava
o outro com olhar apaixonado, era ela. Ela era jovem e tudo lhe era permitido, até
apaixonar-se.
Ela sabia o que queria. Ele, talvez não
quisesse saber. Mas estava lá e, gentil a olhava , alimentando nela aquela
visível dedicação.
E eu me perguntava por que motivos ela
olhava com tanta ternura e adoração para aquele homem? Via-se que não era olhar
apenas de luxúria, embora houvesse fome no seu olhar. Sinal de que o
relacionamento não tivera tempo de satisfazer as necessidades de cada um. Será
que ele saberia compreender a fome que ela tinha?
E eu, sabia?Ora, eu sabia, sim! Sabia que
não poderia ser eternamente jovem, nem crédula, que este tipo de juventude
quando se eterniza vira tolice, é tormento que não se pode carregar. Eu tinha
experiência de vida para ensinar a ela o que só eu sabia - que só se pode
contar com o real, palpável, ao alcance da mão. Na maturidade provamos este
saber com gosto um tanto amargo, de quem sabe que remédio não pode ser sempre
doce. Como ela ousava ainda ser tão jovem quando o tempo passou tão rápido para
mim?
Ver a fé que a movia, fazia-me lembrar da
recente descrença que me abateu e me encheu de medo. Fazia-me desejar o
unguento mágico que cura até mesmo as feridas que, de tão repetidamente
cicatrizadas, tornaram-se invisíveis aos outros, mas sensíveis ao toque.
Ela, em sua teimosia ingênua, me fazia
lembrar da troca do olhar amoroso que a tudo cura e que eu mais temia carecer
para sempre. Ela parecia gritar para mim acusando-me de não ser mais capaz de
amar ingenuamente, a não ser que voltasse a ser como ela. Impossível. O tempo
passou para mim e eu me feri no espelho quebrado.
Para distrair-me de mim e esquecer-me dela,
tentei virar-lhe as costas, deixá-la. E lá permanecia ela, como encantada -
feito pé de jabuticaba nova que foi podada e parece que nunca mais vai crescer
e amadurecer frutos, com aquele olhar que não se incomoda com o tempo porque
ele lhe parece eterno...
Olhei para trás...lá permanecia ela, como
andorinha ou anjo de asa quebrada, que em sua fé ingênua olha a árvore frondosa
e sonha ali se aninhar e ser feliz. Por que o tempo não passou para ela, só
para mim?
Se continuar assim, ela nunca será como
árvore madura, resistente, calma e farta, que oferece frutos doces e sombra
para quem a tem em seu quintal...para quem lhe deu estrutura de um modo ou
outro. A árvore que frutifica por amor, também o faz por gratidão.Talvez
algumas frutifiquem apenas porque é de sua natureza frutificar.
Pensando bem... quem disse que a árvore não
poderia abrigar uma andorinha em seu ninho, e um dia, por amá-la, sua alma não
poderia ganhar asas para voar?
Acho que vou voltar, perdoar esta jovem que
tanto me provoca com sua juventude e desrespeita minha antiguidade e vou tentar
amá-la, mais do que alguma vez tentei... talvez ela amadureça e não me torture
mais....talvez ela envelheça, e isto me deixe triste... talvez ela me ame e nunca
me deixe, e possamos seguir em paz...
Texto e fotos: Vera Alvarenga