Era uma vez uma senhora quase bem velha, que já fora uma mulher e também uma jovem e antes disto, uma dócil menina. Menina já não era há muito tempo, mas desta ainda trazia em si o olhar curioso, a esperança de que as portas do mundo lhe fossem abertas um dia, e ela pudesse, sem medo, habitar nele. Da jovem, tinha certeza, vinha o inconformismo diante dos que, em grupo e por serem iguais, julgavam tudo o que não estava estabelecido e todo aquele que não caminhasse com igual passo carregando consigo iguais medidas para medir o mundo, como algo ou alguém que devesse ser rejeitado ou desconsiderado. Desde bem cedo aprenderam, a menina e a jovem, que era perigoso perguntar ou ousar ser diferente. Caminhavam, no entanto, sem atropelos a jovem e a menina, com a convicção dos que aceitam prontamente o que estivesse estabelecido, desde que se lhes fossem dados argumentos convincentes. Mas ambas guardavam sua docilidade e com olhos de esperança e deslumbramento olhavam o mundo ingenuamente. E se tornaram mulher.
Sua docilidade transformou-se em mansidão, e submetia-se ao seu próprio desejo de agradar a quem amasse, mas jamais deixou de ser apaixonada e de viver por convicção - convicção de que haveria um significado maior para tanta coisa sem sentido. E a mulher apesar de mansa, e meiga ou suave, e acima de tudo crédula, persistente em seu desejo de crer que o mundo podia ser uma extensão de seu quintal, também podia ser forte, e corajosa e resistente. A mulher tinha fé e cada vez mais tornou-se decidida a ser leal à sua própria crença de que os significados estavam lá, mesmo que não pudessem ser a ela claramente revelados.
Ela resistia como guardiã, aos reveses do tempo. Um dia, veio um vento forte e mais insistente que seus próprios argumentos, e finalmente quebrou as janelas, arrancou as cortinas e abriu as portas de sua casa. Parecia-lhe que nenhum canto mais podia ficar na penumbra. O vento era constante e a luz que entrava era dura, quase cegando-lhe a visão, a poeira voltava a sujar os cantos que, por sua também persistente mansidão ela ainda arrumava caprichosamente e com gosto. Sua casa ainda era o seu lugar de aconchego e ela nunca desistia de conservá-la de modo a afastar os bichos ou sujeira que vinham pelos portões abertos do mundo. E foram assim envelhecendo, numa missão que ela pensava fosse de maior amor, embora já não cantassem mais de alegre inocência, aquelas que em si ainda eram a jovem e a menina de outrora. Ela tornou-se tristonha e cansada, sem ânimo para seus antigos ou novos projetos. Nos espelhos de sua casa, já não se reconhecia. O cansaço que tomou conta de si e não era físico, embora depois sim, deixou-a confusa. Todas elas, a menina, a jovem, a mulher e a que envelhecia estavam exaustas, exauridas de sua antiga força que antes as sustentavam a todas, numa estrutura coesa e íntegra. Ela já não era mais um todo. Estava aos pedaços. Talvez porque sua capacidade de amar tivesse sido comprovada, mas o argumento, o significado que antes a mantinham em pé, tivessem se diluído. E ela se diluía com eles. Confusa. Não havia explicação racional para o que ocorria.
Mais uma vez o tempo trouxe o vento. E este veio do norte e, como brisa lhe refrescou a pele. Desta vez, lhe trazia o cheiro da grama e de pétalas de flores junto com as últimas folhas do outono e do inverno que findavam. A luz do sol era dourada e agradável. Tudo parecia renascer em sua alma e no seu quintal. E ela ouvia o canto de pássaros.
A velha lembrou-se que um amigo, certa vez, dissera que o tempo leva tudo. Inconformada e sabendo que haviam coisas, como o amor que aconchegara no peito por quase toda uma vida e à toda prova, que o vento não levava, não quis aceitar.... Tal argumento era para os que não tinham, talvez, a sua persistência e a sua fé. Foi o que ela pensou naquele momento em que, ao mesmo tempo que tinha total conhecimento do amor maduro comprovado e já indelevelmente marcado em seu coração, tinha também e ao mesmo tempo o desejo de realização de si mesma e de um sonho que agora, era o seu. E esta realização,desta vez, não viria principalmente através do amor que era capaz de dentro de si mesma para um outro e para sustentá-la, mas viria também, como um presente e surpresa já não esperada, de fora, de um outro para si. Era como se a Primavera que se atrasara, tivesse chegado enfim, com aquele vento brando à sua janela. A Primavera estendia-lhe os braços ofertando-lhe o mais belo ramalhete de coloridas e perfumadas flores. Devia ser um milagre! E seriam bem vindos, este e a Primavera, mesmo fora do tempo.
Ah, o tempo! Mas o tempo leva tudo! E a senhora, a desta história, enfim envelheceu levando consigo o amor dentro do peito, aquele que foi o argumento que a sustentou por tanto tempo e, ao lado deste, agora, o sonho, aquele que tinha parecido trazer em si finalmente, toda a possibilidade, todo o significado....
foto e texto: Vera Alvarenga
Sua docilidade transformou-se em mansidão, e submetia-se ao seu próprio desejo de agradar a quem amasse, mas jamais deixou de ser apaixonada e de viver por convicção - convicção de que haveria um significado maior para tanta coisa sem sentido. E a mulher apesar de mansa, e meiga ou suave, e acima de tudo crédula, persistente em seu desejo de crer que o mundo podia ser uma extensão de seu quintal, também podia ser forte, e corajosa e resistente. A mulher tinha fé e cada vez mais tornou-se decidida a ser leal à sua própria crença de que os significados estavam lá, mesmo que não pudessem ser a ela claramente revelados.
Ela resistia como guardiã, aos reveses do tempo. Um dia, veio um vento forte e mais insistente que seus próprios argumentos, e finalmente quebrou as janelas, arrancou as cortinas e abriu as portas de sua casa. Parecia-lhe que nenhum canto mais podia ficar na penumbra. O vento era constante e a luz que entrava era dura, quase cegando-lhe a visão, a poeira voltava a sujar os cantos que, por sua também persistente mansidão ela ainda arrumava caprichosamente e com gosto. Sua casa ainda era o seu lugar de aconchego e ela nunca desistia de conservá-la de modo a afastar os bichos ou sujeira que vinham pelos portões abertos do mundo. E foram assim envelhecendo, numa missão que ela pensava fosse de maior amor, embora já não cantassem mais de alegre inocência, aquelas que em si ainda eram a jovem e a menina de outrora. Ela tornou-se tristonha e cansada, sem ânimo para seus antigos ou novos projetos. Nos espelhos de sua casa, já não se reconhecia. O cansaço que tomou conta de si e não era físico, embora depois sim, deixou-a confusa. Todas elas, a menina, a jovem, a mulher e a que envelhecia estavam exaustas, exauridas de sua antiga força que antes as sustentavam a todas, numa estrutura coesa e íntegra. Ela já não era mais um todo. Estava aos pedaços. Talvez porque sua capacidade de amar tivesse sido comprovada, mas o argumento, o significado que antes a mantinham em pé, tivessem se diluído. E ela se diluía com eles. Confusa. Não havia explicação racional para o que ocorria.
Mais uma vez o tempo trouxe o vento. E este veio do norte e, como brisa lhe refrescou a pele. Desta vez, lhe trazia o cheiro da grama e de pétalas de flores junto com as últimas folhas do outono e do inverno que findavam. A luz do sol era dourada e agradável. Tudo parecia renascer em sua alma e no seu quintal. E ela ouvia o canto de pássaros.
A velha lembrou-se que um amigo, certa vez, dissera que o tempo leva tudo. Inconformada e sabendo que haviam coisas, como o amor que aconchegara no peito por quase toda uma vida e à toda prova, que o vento não levava, não quis aceitar.... Tal argumento era para os que não tinham, talvez, a sua persistência e a sua fé. Foi o que ela pensou naquele momento em que, ao mesmo tempo que tinha total conhecimento do amor maduro comprovado e já indelevelmente marcado em seu coração, tinha também e ao mesmo tempo o desejo de realização de si mesma e de um sonho que agora, era o seu. E esta realização,desta vez, não viria principalmente através do amor que era capaz de dentro de si mesma para um outro e para sustentá-la, mas viria também, como um presente e surpresa já não esperada, de fora, de um outro para si. Era como se a Primavera que se atrasara, tivesse chegado enfim, com aquele vento brando à sua janela. A Primavera estendia-lhe os braços ofertando-lhe o mais belo ramalhete de coloridas e perfumadas flores. Devia ser um milagre! E seriam bem vindos, este e a Primavera, mesmo fora do tempo.
Ah, o tempo! Mas o tempo leva tudo! E a senhora, a desta história, enfim envelheceu levando consigo o amor dentro do peito, aquele que foi o argumento que a sustentou por tanto tempo e, ao lado deste, agora, o sonho, aquele que tinha parecido trazer em si finalmente, toda a possibilidade, todo o significado....
foto e texto: Vera Alvarenga