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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sapatos vermelhos na vitrine

Ela, vinha com passos felizes e seguros, movida pela certeza de que teriam tanto a se dizer e tamanho prazer com o encontro, que tudo correria naturalmente, tudo seria bom. Contudo, ao perceber certa palpitação no peito, diminuiu o ritmo e andava agora devagar. Olhava para os carros estacionados, ouvia o barulho daquela cidade fervilhante e constantemente barulhenta, e percebeu que os sons iam ficando distantes, como se já não fizessem parte do mundo que pisava. Ao invés do barulho de carros, pessoas, sirenes, ouvia cada vez mais alto, o som do  coração.
Ele, já havia chegado ao local do encontro. Não pediu café, embora tivesse vontade. Pediu água, pois conhecia do que se alimentava o comércio.Era homem atento e pensara ser gentil, deixando que ela decidisse o que gostaria de tomar, antes de impor-lhe a escolha. E se ela tivesse vontade de pedir vinho, ou suco? Naquela hora da tarde e, pelo que conhecia dela, tudo seria possível contanto que ele não fizesse a escolha primeiro. No final, ela pediria para ele escolher. Como oferecer-lhe vinho se estivesse tomando café? Ao ver o café, faria pedido igual só para acompanhá-lo, mesmo que estivesse pensando no vinho . Ele sabia como ela era. E tudo estaria então resumido num cafezinho. E ele não queria resumir fosse o que fosse, do que estava para acontecer.
Esperar, não era algo que fizesse com tranqüilidade. Não sabia preencher os espaços vazios com facilidade como faziam as mulheres que tinham sempre um leque de opções a seu alcance, além de uma mente sonhadora. Ele, não. Era homem que se habituara à objetividade. A vida o instigara a ser mais realizador do que dado a devaneios. Não tinha paciência ultimamente, nem para esperar que algumas pessoas chegassem ao fim do que começavam a dizer-lhe, talvez porque já adivinhasse o final, uma vez que conhecia a mesmice de tudo que lhe rodeava há anos. Com o tempo, sabia que ela também chegaria a ser tão conhecida e talvez tão previsível como tudo o mais. Rotina era uma coisa boa, algo confortável com o que podia lidar. Sair dela também seria bom, se representasse agregar algum valor a sua vida e desde que, o que conquistara para si, não fosse perdido. Ele preferia colecionar seus valores do que sonhos. Logo saberia e também deixaria claro, de uma vez por todas, o objetivo daquele encontro e ao que poderia levar.
Ela cometeu um erro. Prestou atenção ao seu coração e, ao fazê-lo, perdeu o ritmo do caminhar. O som parecia o retumbar de algo vivo que lhe saltaria pela boca, se ela a abrisse. Parou frente à vitrine. Engoliu em seco. Fingiu olhar os sapatos e tentou recuperar o controle. Respirou fundo. Pelo vidro pôde ver sua silhueta, salpicada por sapatos vermelhos, que pareciam pendurados nela,como os passos que ela poderia dar. Sentiu medo. Tal insegurança não era porque não se gostasse. Valia mais do que todos aqueles sapatos juntos, mas não estava acostumada com encontros. E há muito tempo não se expunha assim, como numa vitrine, para ser avaliada. Sentia medo que o próprio medo se tornasse tão grande, que a fizesse desistir.  
Desistir do que? De nada! Ela não queria nada a não ser apenas os passos que pudesse dar. Com companhia de outros passos,seria melhor. -"Só por hoje", lembrou e sorriu. Era uma frase usada pelos que querem aprender a caminhar felizes, um dia de cada vez. Que tudo fosse verdadeiro, fosse como fosse, e não machucasse demais. Mas que ela não fizesse papel de tola. A vendedora aproximou-se gentil. Que coisa! por que não lhe era permitido um tempo para ficar ali, só pensando na vida? Por que tudo se resumia apenas na compulsão de vender e comprar? Tenho algo que lhe interessa, e você, tem o valor equivalente para me dar? Me dê logo ou siga em frente! Era assim a vida. A vitrine era bonita,como ela se sentia por dentro, os sapatos eram lindos,como aquilo que ela sonhara um dia ter.
Voltou a caminhar. O coração sossegara um pouco, mas estava apreensiva. Segurança e  alegria foram-se. Quem sabe se, ao virar a esquina apenas para espiar, desse logo de cara com um largo sorriso dele na boca e no olhar, e seu medo pudesse então, desaparecer para sempre. Quem sabe seria melhor rodar nos calcanhares e sair depressa dali. Tinha apenas mais três passos para se decidir.
Crônica: Vera Alvarenga
Foto da vitrine de Crisscalçados.                                           

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