Ela, vinha com passos felizes e seguros, movida pela certeza
de que teriam tanto a se dizer e tamanho prazer com o encontro, que tudo
correria naturalmente, tudo seria bom. Contudo, ao perceber certa palpitação no
peito, diminuiu o ritmo e andava agora devagar. Olhava para os carros
estacionados, ouvia o barulho daquela cidade fervilhante e constantemente
barulhenta, e percebeu que os sons iam ficando distantes, como se já não
fizessem parte do mundo que pisava. Ao invés do barulho de carros, pessoas, sirenes,
ouvia cada vez mais alto, o som do
coração.
Ele, já havia chegado ao local do encontro. Não pediu café,
embora tivesse vontade. Pediu água, pois conhecia do que se alimentava o
comércio.Era homem atento e pensara ser gentil, deixando que ela decidisse o
que gostaria de tomar, antes de impor-lhe a escolha. E se ela tivesse vontade
de pedir vinho, ou suco? Naquela hora da tarde e, pelo que conhecia dela, tudo
seria possível contanto que ele não fizesse a escolha primeiro. No final, ela
pediria para ele escolher. Como oferecer-lhe vinho se estivesse tomando café? Ao
ver o café, faria pedido igual só para acompanhá-lo, mesmo que estivesse
pensando no vinho . Ele sabia como ela era. E tudo estaria então resumido num
cafezinho. E ele não queria resumir fosse o que fosse, do que estava para
acontecer.
Esperar, não era algo que fizesse com tranqüilidade. Não
sabia preencher os espaços vazios com facilidade como faziam as mulheres que tinham
sempre um leque de opções a seu alcance, além de uma mente sonhadora. Ele, não.
Era homem que se habituara à objetividade. A vida o instigara a ser mais
realizador do que dado a devaneios. Não tinha paciência ultimamente, nem para
esperar que algumas pessoas chegassem ao fim do que começavam a dizer-lhe,
talvez porque já adivinhasse o final, uma vez que conhecia a mesmice de tudo
que lhe rodeava há anos. Com o tempo, sabia que ela também chegaria a ser tão conhecida
e talvez tão previsível como tudo o mais. Rotina era uma coisa boa, algo confortável
com o que podia lidar. Sair dela também seria bom, se representasse agregar
algum valor a sua vida e desde que, o que conquistara para si, não fosse
perdido. Ele preferia colecionar seus valores do que sonhos. Logo saberia e
também deixaria claro, de uma vez por todas, o objetivo daquele encontro e ao
que poderia levar.
Ela cometeu um erro. Prestou atenção ao seu coração e, ao
fazê-lo, perdeu o ritmo do caminhar. O som parecia o retumbar de algo vivo que lhe
saltaria pela boca, se ela a abrisse. Parou frente à vitrine. Engoliu em seco.
Fingiu olhar os sapatos e tentou recuperar o controle. Respirou fundo. Pelo
vidro pôde ver sua silhueta, salpicada por sapatos vermelhos, que pareciam
pendurados nela,como os passos que ela poderia dar. Sentiu medo. Tal
insegurança não era porque não se gostasse. Valia mais do que todos aqueles
sapatos juntos, mas não estava acostumada com encontros. E há muito tempo não
se expunha assim, como numa vitrine, para ser avaliada. Sentia medo que o
próprio medo se tornasse tão grande, que a fizesse desistir.
Desistir do que? De nada! Ela não queria nada a não ser
apenas os passos que pudesse dar. Com companhia de outros passos,seria melhor. -"Só por hoje", lembrou e sorriu.
Era uma frase usada pelos que querem aprender a caminhar felizes, um dia de
cada vez. Que tudo fosse verdadeiro, fosse como fosse, e não machucasse demais.
Mas que ela não fizesse papel de tola. A vendedora aproximou-se gentil. Que
coisa! por que não lhe era permitido um tempo para ficar ali, só pensando na
vida? Por que tudo se resumia apenas na compulsão de vender e comprar? Tenho
algo que lhe interessa, e você, tem o valor equivalente para me dar? Me dê logo
ou siga em frente! Era
assim a vida. A vitrine era bonita,como ela se sentia por dentro, os sapatos eram lindos,como aquilo que ela sonhara um dia ter.
Voltou a caminhar. O coração sossegara um pouco, mas estava
apreensiva. Segurança e alegria foram-se.
Quem sabe se, ao virar a esquina apenas para espiar, desse logo de cara com um
largo sorriso dele na boca e no olhar, e seu medo pudesse então, desaparecer
para sempre. Quem sabe seria melhor rodar nos calcanhares e sair depressa dali. Tinha apenas mais três passos para se decidir.Crônica: Vera Alvarenga
Foto da vitrine de Crisscalçados.
Olá amiga Vera. Linda mensagem. Adoro sapatos vermelhos, tenho bastante e não resisto quando vejo na vitrina. Só não gosto de vestir vermelho, mas mesmo assim aqui ou acolá estou pondo uma blusa ou casaco da cor vermelho. Adorei ler-te. Abraços ternos. Kaoma
ResponderExcluirOlá Vera !!
ResponderExcluirQue crônica envolvente, adorei !
Me identifiquei com características dos dois e acho que quase todos nós nos identificamos com a situação... Acredito que muitos de nós já nos sentimos assim, ainda mais antes de um encontro, onde o mistério do futuro é ainda maior, onde temos que lidar com o inesperado, com inseguranças, entre outras coisas, mas são momentos de auto reflexão que nos ajudam independente do desfecho.
O que será que ela decidiu ?
Gostei da parte onde fala que ele não tem mais paciência para ouvir as pessoas porque parece adivinhar o final de seus relatos...isso me fez refletir...ando assim... não é bom... preciso mudar ;)
Beijosss
Ai Vera! Que beleza de crônica! Prendeu-me do início ao fim...deixou com gosto de "e agora?". Mto bem escrito. Parabéns
ResponderExcluirBjos
Obrigada Kaoma. Também tinha apenas uma blusa vermelha. Meu marido e Maria Marçal me falaram que fico bem de vermelho,então comprei outra blusa...rs... quanto ao sapato, tinha um de salto, sem brilho...lindo. Agora, não posso usar salto alto e não encontrei outro anabela à altura (com classe e apropriado para minha idade...rs.... e macio...)
ResponderExcluirCom sapatos vermelhos ou não, gostou do encontro deles?
Encontros saõ momentos muito importantes mesmo,Sam. É sempre preciso coragem para um encontro com o outro ou com a gente mesmo,não é?
ResponderExcluirQue bom saber por você, que consegui colocar coisas ali que podem ser identificadas como fazendo parte da nossa vida real.
Beijos e obrigada por vir para o cafezinho.
Marcela, que bom que gostou! Fico tão feliz em saber que vou enviar para um amigo que é exigente com leituras...
ResponderExcluirBeijos e obrigada.
Vera minha grande amiga é um aprendizado sua Belíssima crônica em que tiro uma lição pessoal que é o que destaquei de ter me chamado bastante a atenção como esta parte aqui: "...Desistir do que? De nada! Ela não queria nada a não ser apenas os passos que pudesse dar. Com companhia de outros passos,seria melhor. -"Só por hoje", lembrou e sorriu. Era uma frase usada pelos que querem aprender a caminhar felizes, um dia de cada vez. Que tudo fosse verdadeiro, fosse como fosse,..."
ResponderExcluirEi Vera,
ResponderExcluirUm encontro de qualquer aspecto ja nos deixa apreensivos, imagino quando se trata de um amor, um romance,onde tudo pode acontecer, ele com sua gentileza, com sua espera, com suas qualidades de cavaleiro até mesmo para a bebida que seja escolha dela, ela com um certo medo, uma certa indecisão, um querer se esconder por traz de uma vitrine de sapatos vermelhos rsrs,com medos e inseguranças,agora resta me saber quais os passos que ela seguiu...rsr
Beijos, amei, muito lindo...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Charles! Desculpe a demora em responder...estes meses estarei um pouco mais atarefada e com a cabeça preocupada com resolver coisas, procurar uma casa numa cidade diferente,enfim...rs... mas gostei muito quando li seu comentário.Recebê-lo para um cafezinho é sempre agradável.Que bom que a crônica pôde tocá-lo. Quem escreve toca os outros com as palavras,não é? Obrigada.
ResponderExcluirAbraço e bom sábado pra você!
Olá Cecília, você está então como eu, curiosa para saber se ela virou aquela esquina e foi em frente ou não!
ResponderExcluirBeijos e ótimos final de semana!
Gostei desta crónica. Tenho uma irmã que é louca
ResponderExcluirpor sapatos...nunca está satisfeita.
Beijinho e desejo esteja bem.
Irene
Contanto que a cada compra de sapatos ela não marque um encontro! ..rs.... ou talvez ela compre um sapato a cada um deles?! ..rs...brincadeira amiga, minha mãe também era louca por sapatos. eu, agora, os quero macios e confortáveis;
ResponderExcluirBeijos a você Irene.
Boa noite, Vera!
ResponderExcluirPenso que nós, as mulheres temos todas ou quase todas fixação por sapatos bonitos. Um bom sapato, faz a toilette, nem precisa sequer de roupa muito cara, ao passo que se for ao contrário, por ex. um vestido muito bom com uns sapatos fracos, fica o conjunto estragado.
Gostei da crónica, mas ficou a curiosidade de saber o que aconteceu a seguir.
Beijinho,
Ana Martins
Olá Ana!
ResponderExcluirBem que podíamos ir pé ante pé, disfarçadamente, ver o que aconteceu, não é?
Beijos,