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segunda-feira, 1 de abril de 2013

O milagre de cada dia...

 
   Às vezes, do nada, ela se lembrava de um momento que parecia ter sido um sonho. Desta vez, lembrou-se daquele pássaro amarelo que um dia, chegou tão próximo a si, que quase pode tocá-lo. E ele parecia ter alma. Olhou tão fixamente dentro dos olhos dela que, por este olhar, ele a conheceu, e também ao seu segredo. Naquele momento, eles se conheceram e pertenceram um ao outro, eram da mesma natureza.
  Naquele dia, ela caminhava sobre uma pequena ponte e pisava como se fosse em ovos no ambiente que pensava pertencer a ele.  Entre as árvores seguia atenta e cuidadosa como se não quisesse, com gestos inesperados, invadir seu espaço, assustá-lo. Logo, porém, se deu conta. Sentia-se tão bem que sabia estar no lugar ao qual pertencia sua própria natureza livre e sensível. Adorava estar em lugares onde podia se deslumbrar, e ser a parte mais simples do que era. Amava aqueles recantos de sombra onde os tons de verde misturavam-se com os de terra e a água refletia o azul do céu, virava espelho e duplicava as imagens, onde podia libertar sua calma interior que exalava de seus poros e harmonizava-se com o ambiente que a cercava sem contudo, a limitar. Ao contrário, nestes momentos sua pele parecia dissolver-se e ela sentia que fazia parte de algo maior. Ali podia ser como gostava de ser. Podia entregar-se ao milagre que ocorre uma vez ou outra, na vida de cada um. Foi quando pensou que aquilo era bonito demais para pertencer somente a ela. Estar ali sozinha, teria sentido?  Desde há muito tempo ela era assim. Por vezes, se desejava que alguém mais estivesse com ela, não era porque conscientemente temesse a solidão, mas porque esperava que alguém mais pudesse compartilhar com ela daquele bem estar. Era quase como deitar-se ao lado de alguém logo após desfazer-se em prazer no ato de  amor. E então, ao sentir que sua pele se fechava novamente em torno de sua individualidade, poder olhar nos olhos do outro e ter a certeza que ambos tinham estado no mesmo lugar. Embora o prazer fosse, de fato, algo individual, para ela, partilhar era mais que dividir, era ampliar, perpetuar, tornar possível o milagre da multiplicação.
   Tinha a exata noção de que era uma pessoa de sorte. Sabia das guerras, das perdas e das mortes. E da solidão dolorosa para a qual cada uma destas coisas nos remete. Todo ser humano deveria poder experimentar o paraíso, descobri-lo ao alcance das mãos. E se conseguisse, mesmo que por alguns segundos, seria bom compartilhar em cumplicidade. Por isto pensou nele. Ela queria que ele estivesse ali também e pudesse respirar aquela atmosfera...
   Uma outra vez, numa viagem a um lugar maravilhoso de retiro espiritual, teve uma experiência deste tipo.  E foi tão intensa que ela voltou antes do tempo para o lado do homem que amava. Não pode aguentar estar num lugar tão fantástico sozinha. Simplesmente não  fazia sentido! Não se importava com explicações psicológicas, apenas queria contar a ele o que viu. Contudo, ele era de outra natureza, pensou que ela tinha voltado com a intenção de ver se ele a estava traindo! Naquele tempo, muita coisa, para ela, começava a não fazer sentido! E ela tinha esta sede de compartilhar.
 
  Foi quando aquele pássaro pousou a poucos passos de distância e o encontro se deu. Se ela entrou ali pisando em ovos, saiu caminhando nas nuvens, sonhando que um dia poderia compartilhar estes momentos fugidios nos quais o tempo se dissolve junto com os limite,s e a gente pode experimentar algo mais intenso, com asas de liberdade.
   Sim, ela sabia que era uma mulher de sorte, tinha de ser grata por ter tido, de um modo ou outro, oportunidades até aquele momento...

Foto e texto: Vera Alvarenga.
    

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