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sábado, 31 de julho de 2010

" Só o amor venceria a morte! é este meu sonho!"

   - Então, hoje está um dia lindo! Vamos ao zoo? Podemos caminhar devagar, na sombra das árvores..
   - Não.
   - Escuta só. Eu levo uma mochilinha com um lanche, fazemos um pic nic! Vai ser gostoso. A gente vai rir, ver gente feliz...
   - Não quero ir não. Já faço meu exercício toda noite no banheiro.
   - Amor, a gente trabalhou, o sol tá lindo, vamos nos divertir um pouco, enquanto a gente tá vivo, pode andar, tem saúde. E posso tirar aquelas fotos que..
   - Vai você sòzinha, então!
   .................................................................
  30´depois....
   - Bem?! onde você está? está muito ocupada aí no computador?
   - Por que?
   - Vamos sair um pouco, então? Vamos comigo ver um carro na concessionária? Se a gente gostar, vou estudar a possibilidade de trocarmos o carro.
   - Ah,... não! Vamos deixar para fazer isto durante a semana, tá bem? E eu já sei como é... nossos gostos são tão diferentes. É melhor você me chamar quando estiver entre duas opções, que realmente a gente possa comprar. Hoje é sá..ba..do..meu amor, não é dia de trabalho, não!  É dia de relaxar, colher frutos, descansar, fazer coisas gostosas juntos, sabe? Pra ter mais vontade de comemorar à noite, a felicidade das coisas simples, fazendo amor...A gente não precisa esperar férias, uma vez por ano, para ser feliz... a gente não precisa esperar ficar velhinho para descobrir que podia ter tido uma porção de dias mais felizes, sabia?
   - Pronto, lá vem você...fique quietinha. Não comece com suas cobranças! Volta para o seu computador, eu vou pra minha TV...
   - Sabe o que é? Você gosta de falar de reencarnação, vida após a morte...Eu ainda estou viva, na única vida que conheço. Sabe mesmo o que eu penso? Sabe o que é realmente meu grande sonho, minha fé, minha crença? Pra mim, só o amor verdadeiro, aquele que quer dividir coisas boas, que é leve como o espírito, seria capaz de sobreviver após a morte, só o amor venceria a morte! Sem ele, a gente tá sózinho e já está meio morto, desde já ! Você pode entender isto? Que não adianta se preocupar tanto com a outra vida, se a gente deixa escapar esta?
   - O que? Tô ocupado aqui com este controle da TV que às vezes falha!... E ela ouviu algo parecido com : "Depois a gente conversa sôbre isto". Teria mesmo ouvido tais palavras? Seria uma promessa, que bom!
   - O que disse, amor?
   - Que não quero mais falar sôbre isto!
   - Ah! Hum..hummm....


texto : Vera Alvarenga
foto: arte Neli Neto(como consta na foto)

 

sexta-feira, 4 de junho de 2010

- " Uma segunda chance.." - Parte final

   As perguntas geravam respostas conflitantes. Ela parecia querer testar a validade do que sentia.
   - Até que ponto ele é responsável pelo que sinto? Será que ele sabe como lidar com seus próprios sentimentos? Fui paciente, clara o suficiente,pedi o que precisava receber? Eram perguntas que ela se fazia, como se fosse seu próprio acusador.
   Então sentiu raiva. Tinha vontade de bater nele, esmurrá-lo, sacudir-lhe os ombros, despertar seus sentidos para o mundo ao redor daquele umbigo tão estupidamente egoísta! Ao mesmo tempo, tinha vontade de gritar : - Acorda! me ama! a vida não é fácil; juntos será melhor.
    Então, reconhecia o seu fracasso. Não devia ter caminhado os passos que deviam ter sido dados por ele. Amor era coisa pra dar e receber, não para pedir, insistentemente... ela tinha até que lembrá-lo dos gestos que a faziam feliz! Ele mesmo havia pedido que ela o lembrasse "destas coisas que alimentam o amor", mas ela queria receber gestos espontâneos. Ele não poderia lembrar-se dela, por si mesmo?
   Com o reumatismo e  problemas financeiros,ele tornou-se mais difícil de conviver. E ela desejou assumir de vez o direito a seus sentimentos, até sua raiva, até seu egoísmo.Não lhe parecia egoísmo. Parar de conformar-se com migalhas, só porque achava que a vida era mais importante do que ter seus pequenos desejos satisfeitos! Ele mesmo se gabava de satisfazer o que desejava. Ainda não sabia como, mas precisava separar-se dele. Não se sentia amada por ele, para ficar.
   Então, tudo aconteceu num piscar de olhos. Um dia, uma pressão no peito, ao nadar.Ela, teve intuição de que havia um perigo ali. Por um destes milagres da vida e de Deus, dois meses antes, pensando no reumatismo do marido, ela pedira ao filho mais velho para fazer um convênio saúde de presente para o pai. O filho atendeu prontamente o pedido, mas não haviam contado ainda para ele, que era muito orgulhoso para aceitar receber o presente. Aguardavam o tempo de carência e o cartão para o presente completo.
   Após ficarem por um dia inteiro a espera de consulta e exames, em um hospital estadual, o médico sentenciou: " Internação e cirurgia de emergência!" Durante as horas que ele ficou a espera dos exames, ela andou por lá, encontrou o médico que operou sua mãe dois anos antes, e lhe perguntou como estava o hospital, caso o marido precisasse de alguma cirurgia. O médico conhecido lhe disse : - "se fosse com um parente meu, levaria a outro hospital"! Convenceu o marido a ir para casa,para internar-se só após ter tempo de telefonar aos filhos. Ela estava apavorada, mas, como sempre, disfarçou. Na manhã seguinte, a caminho do hospital, mudou o trajeto e dirigiu-se ao Instituto do Coração, que estava no convênio. Então, contou ao marido sôbre o presente do filho. Ele ficou furioso com a falta de respeito dela, por querer controlar as coisas que eram dele! Quis descer do carro. Ela suplicou-lhe para não fazê-lo.
   Ela se perguntava, até que ponto quem ama pode ficar indiferente ao que acontece ao seu lado, com quem fora o amor de sua vida?! Não participar, não ajudar, deixar o outro sòzinho neste momento é que lhe pareceria falta total de amor, humanidade e intenso comodismo.Como ele podia estar sempre sentindo que as pessoas o desafiavam, quando na verdade isto era um natural comprometimento com o outro? Contudo já entendera que seres humanos sentem diferentemente...
   Ao chegar ao hospital tudo foi muito rápido. Após cateterismo, médicos lhe disseram que ele precisaria de uma cirurgia imediata, mas que não tinham condições de fazê-la devido a carência do convênio e aos remédios que ele precisaria deixar de tomar para evitar hemorragia. O chão lhe fugiu debaixo dos pés,  quase sentiu-se desfalecer, mas não tinha ninguém para apoiá-la e precisava evitar que transferissem o marido para o falido hospital estadual. As coisas foram acontecendo rapidamente. Como visitantes não permanecem nas UTIs, ficou a maior parte do tempo no carro,no telefone público e tomando outras providências, que não sabia que tinha forças para tomar.  Só ia para casa de madrugada, para um banho e a fim de dar insulina para a mãe. Não era corajosa. Precisou buscar forças além de si.
   Durante as noites, enquanto ele estava na UTI,encontrou um modo de entrar sorrateiramente pelas portas dos fundos do hospital e ficava quietinha ali, na sala ao lado da UTI, reservada aos parentes de pacientes graves. Parecia a ela, que se não velasse pelo sono dele, poderia ocorrer o pior e temia ir para casa e transferirem seu marido para outro hospital. Por que não a anestesiavam também? Quando tudo se resolveu, a cirurgia foi feita e os enfermeiros faziam "vistas grossas", deixando-a  ficar - ela não incomodava, estava petrificada! Durante o dia, mal ia ao banheiro, para não ter que passar pela sala de espera na recepção  e assim, evitar que outros acompanhantes criassem problema. Mas uma vez se perguntou, se ela estaria sendo prepotente ou teria ilusão de poder para controlar a vida dele, como ele a acusara. Não, ele é que não sabia reconhecer gestos de comprometimento e amor. Não obteve resposta que a dissuadisse de ficar ali. Para ela, era vital que permanecesse, encontrando doadores de sangue, convencendo o médico a ajudá-la com o convênio, orando, enviando luz em pensamento, pedindo a Deus que lhe tirasse um pouco de sua energia e até seu anjo da guarda, e os enviasse para ele. Não sabia como agir diferentemente. Estava amedrontada.O quarto tinha uma janela que abria para uma grande árvore, onde os passarinhos vinham cantar. Isto, certamente ajudaria na recuperação! Ele poderia vê-los se ela mudasse as camas um pouquinho de lugar. E conseguiu, porque enfermeiros e médicos são humanos...
   Durante aqueles 15 dias e muitos outros após a cirurgia, seu pensamento de uma vida independente dele parecia excessivamente egoísta e sem sentido. Ela o amava. Se Deus queria mostrar-lhe isto, ou como era medrosa, ou como precisava do amor dele, conseguiu!!
   E mesmo pelo tempo de recuperação pós cirúrgica e ainda pelo tempo que lutou para evitar que ele entrasse em depressão, como a haviam avisado que poderia ocorrer, e ainda quando sua mãe morreu, e também sua cachorrinha de 14 anos, durante este período de medo e tantas perdas, ela amorteceu seu desejo de ser tratada com mais respeito; compreendeu que ele a amava mas não sabia como deixar de ser tão egoísta.
   Ela reconheceu que também estava sendo egoísta. E acima de tudo,agradeceu a Deus por ter dado a ambos uma segunda chance, prometeu que faria de tudo para vivenciar o amor e não reclamá-lo, afinal, só para a morte, não havia jeito! E acreditou que podiam sair mais fortes e cúmplices, desta experiência.
   Todas estas coisas vieram como um presente da menopausa, numa Caixa de Pandora, dentro da qual só restou a Esperança!
  texto: Vera Alvarenga
  foto:  retirada da Internet

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