Hoje, sai para caminhar. Perto do edifício onde moro, avistei um
lindo cão chow-chow e seu dono.
- Que lindo! Falei, e tendo a câmera a tira colo como sempre,
parei e mostrei minha intenção de tirar uma foto, direcionando a máquina
fotográfica, de longe, para o animal. Posso tirar uma foto? Perguntei apenas
por meus próprios cuidados e uma ética que pensei, exagerada, pelo que fiquei
muito sem graça pela resposta:
- Não pode! Minha mulher não permite que tire fotos.
Guardei a viola no saco e segui, mais sem graça do que antes.
Reconheci logo, em mim mesma, ao desviar do cocô de algum cão que passara antes
por lá, que o desapontamento fez subir pela garganta uma pergunta desaforada,
que pensei fazer àquele homem.
- Sua mulher lhe dá sacos plásticos para tirar do caminho o cocô
que seu cachorro faz na calçada?
A gente tem de fugir da calçada e caminhar pela rua, próximo aos
portões dos condomínios, para evitar o local preferido dos cães para suas
necessidades! Entretanto, me calei. Coitados dos cães. O que fariam com sua
natureza? Aquele homem não levava nas mãos nada além da guia do cão de sua
mulher. Era o marido da mulher, que era dona do cão e tinha direitos sobre ele
que, seguia indiferente a nós, procurando o que lhe era urgente. E eu não
queria discussão, mesmo porque, ali nas grades dos jardins do condomínio já
havia avisos suficientes, para quem os quisesse seguir.
Então lembrei-me de um outro cão. Um vira-latas preto que conheci
em Votorantim, e seguia, sem guia, o seu dono, um morador de rua. Naquela
ocasião, caminhava à beira do rio quando me deparei também com um homem e seu
cão. O homem desenhava e tinha o cão deitado a seu lado. Ambos livres de qualquer
preocupação com sua comunidade, mas tendo um alto preço a pagar para viver
nela, em condições tão difíceis e diferentes da vida deste cão que vi hoje.
Este último, não tinha uma vida de cão! Já o homem que vi à beira do rio, sim.
E o cão, daquele homem, como um guardião levantou a cabeça naquele
dia, ao ver que eu me aproximava de seu dono e trocava algumas palavras com
ele. O homem, mesmo em sua loucura e talvez por ela, me permitiu tirar algumas
fotos de si, inclusive me mostrando seu desenho. Não me aproximei muito, por
respeito e medo do cão, e do homem, que me haviam dito tratar-se de alguém meio
maluco e por vezes, agressivo.Comigo ele não foi, nem o cão. Apenas começou a
dizer algumas palavras que pareceram sem sentido, para mim, e me afastei. Sabe-se
lá, que história ele teria para contar, se quisesse ou pudesse contá-las. Todos
tem histórias.
Encontrei com o homem, outras vezes, no centro da cidade.
Invariavelmente seu cão, amigo fiel, mesmo sem a guia o seguia atento. Também
teria histórias para contar, este cão.
Mas eu não queria histórias, nem invadir a privacidade de ninguém.
Na verdade, só queria fotografar o que fazia sentido, para mim. Ou o que
parecia não ter sentido nenhum...
Fotos e texto: Vera
Alvarenga