Cuidado! Frágil!...
Ela nunca sabia a
que horas ele ia chegar, mas tinha lhe reservado uma surpresa.
Como uma gueixa,
que se prepara lentamente num ritual para receber aquele a quem iria agradar,
ela olhava ao redor para confirmar que tudo estava em ordem. A bacia, o
sabonete, a toalha, os chinelos... O necessário para a cerimônia que havia
imaginado.. A almofada onde sentaria próxima do seu homem para lavar seus pés
cansados; o creme para a relaxante
massagem a fim de que seu herói pudesse despir-se completamente de sua
armadura. O quimono de seda preto tinha delicadas flores de cerejeira bordadas.
Tudo estava em ordem.
A música tocava um
ritmo agradável, suave e baixinho, pois ele não era muito ligado a estas coisas
e ela não queria forçar muito a barra. Apenas seu coração batia descompassado.
Será que ele iria gostar? Claro que sim... só não poderia demorar muito
nos rituais, afinal, ela também era fruto de um clima tropical.
Agora, era esperar que ele
chegasse.
Para estes momentos raros e
envolventes, há comportamentos intuitivos que todos sabem, seria preciso respeitar, se
alguém quisesse vivenciar este presente. No ar, parecia haver um aviso : "
Cuidado ao tocá-la ! Frágil, delicada!"
Quando ela se
vestia assim, de gueixa, se despia de tudo o mais. Forte, se mostraria frágil,
e ainda que firme em seu propósito de agradá-lo, seria delicada como uma
beija-flor! Portanto, era preciso ser cuidadoso ao tocá-la, embora ela pudesse
resistir a tudo.
Quando uma mulher dá este presente,
é necessário ser paciente ao desfazer o laço, com gestos seguros e calmos, para enfim descobrir seu segredo.
Não é como receber uma caixa de bombons quando se adora chocolate, ou uma lata de
cerveja geladíssima, quando se está sedento! Nada
havia ali para ser devorado ou sofregamente bebido.
Um presente especial requer alguma sensibilidade
ao abrí-lo, para não assustar a beija-flor que lá pode estar contida, ou quebrar a jóia rara escondida
na pedra de aparência comum. Há, na intenção do presente, o desejo secreto
de oferecer um diamante. Dependendo de quem o receba, prolonga-se um momento de raro prazer.
Ela sabia de tudo
o que representava o ritual ao qual se entregara. E precisava disto.
Se ele se entregasse
ao encanto que o presente trazia em si, e olhasse também com encantamento para
os olhos daquela gueixa, compreenderia todo o sentido. Ela queria acender a chama do apaixonamento por ele,
tanto quanto sempre estivera apaixonada pelo amor. Até o tempo iria parar por
alguns instantes, conivente com o viver de um sonho, cuja lembrança ficaria no
corpo e na memória, para ser resgatada nos tempos mais difíceis e menos férteis
de um inverno futuro.
Se ele se
entregasse ao encanto... mais que tudo, permitiria que a gueixa vivesse nela,
para sempre, com toda a sua disciplina e os seus dons.
Lá fora, o barulho do carro. Logo depois, a
porta se abriu.
Trêmula de amor e medo, desejou que ele
compreendesse o presente que estava para receber, que sentisse o aroma da flor
de cerejeira e que percebesse o aviso que pairava no ar, leve como uma
beija-flor... “Cuidado ao tocá-la, hoje ela é uma gueixa...”
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Texto : Vera Alvarenga
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