sexta-feira, 10 de julho de 2015

Encontro em Lisboa, a 360º...

Então ali estava eu, em Lisboa. Não digo na minha ou na velha  Lisboa, porque não é minha mas dos meus irmãos portugueses, e não tenho intimidade para chamá-la de velha, sem que ela se ofenda. Aliás, como eu, ela não é velha mas cheia de histórias.
Por falar em histórias, vou contar uma pessoal, que vivenciamos eu e ela, no coração da cidade, entre o Rocio e a Praça da Figueira. Bem ali existe uma confeitaria maravilhosa, a Pastelaria Suíça. Possuindo quatro entradas, duas em cada praça, permite a seus clientes ir de uma a outra com facilidade. No meu caso, contudo, poder entrar de um lado e sair de outro, foi um pesadelo por alguns minutos. Vamos à história, mas do inicio, para que eu também não me perca aqui novamente.
Nesta confeitaria  vivi alguns momentos de apreensão testemunhados por duas mulheres , a balconista e a senhora do caixa, esta última por sinal muito simpática e solidária. Simpática porque, logo que cheguei fui pagar adiantado o café e deliciosos pasteis doces  para o lanche especial de final de tarde, e tivemos uma conversa animada sobre a vida em Portugal e no Brasil. Solidária, conto o motivo daqui a pouco. Ao pagar, eu lhe disse que o lanche era para mim e o marido que havia ido “rapidinho” até o outro lado da praça, comprar um sapato. Logo voltaria e queria fazer-lhe uma surpresa com os doces e não só a “bica”. Após vinte minutos de conversa eu a deixei e fui para a porta, local onde marcamos o encontro, bem em frente a D. João I em seu cavalo.
 Fui à porta e esperei, uma vez que marcamos do  lado de fora. Olhei para um lado e outro. O marido não vinha. Ah, como estava precisando sentar-me! Descansar de tudo que andei, mas fiquei com receio porque a praça era grande e havia barracas de artesanatos, que nos impediam a visão dela toda. Era melhor esperar bem em frente à porta. Meu marido havia tido um AVC um ano antes e, embora estivesse muito bem, sua memória o enganava muitas vezes, como fazia quase sempre, a minha, comigo. Minha bússola nunca fora mesmo exata. Facilmente eu me distraía com alguma imagem interessante, por isto criei o habito de salvar na memória um ou outro detalhe de referência, se não quisesse me perder. A dele, no entanto, antes do AVC  era  exatíssima, e a memória também. Aliás, quando teve o acidente vascular, eu percebi porque ele esqueceu-se do nome de pessoas. E isto não tinha sido um bom sinal.
Ele costumava ser objetivo e rápido em suas compras . Agora, com exceção da memória para certos detalhes, estava bem de saúde,  mas muito atrasado.  E isto podia não ser um bom sinal. Foi só então que percebi que a porta onde eu estava, não era a única que servia de entrada para a confeitaria. Havia outra! Alguém entrando por essa outra porta, poderia passar por outro ambiente, por trás do balcão onde eu estivera com aquela senhora do caixa, sem que eu visse ou sem me ver . E poderia sair na outra praça! A partir deste momento,  tentando manter a calma e disfarçar a agonia, fiz e repeti um circuito entre uma porta e outra, da Figueira ao Rocio. De d. João I a D. Pedro IV. E fui até a loja do outro lado da praça. E voltei. E aí aquela senhora simpática tornou-se solidária com minha apreensão. Já havia passado cinquenta minutos. Ela avisou-me que seria melhor falar com a polícia pois logo algumas lojas iam fechar, ia escurecer...  ele bem podia ter saído pela outra praça. De fato, como é um pouco impaciente poderia ter saído a minha procura. Poderia ter esquecido do ponto em que marcamos o encontro, afinal, tudo é muito parecido quando não conhecemos o lugar!
Meu coração ficou pequenino imaginando se ele estaria aflito caso tivesse esquecido do local do encontro ou coisa pior. Foi então que pensei que tinha perdido uma pessoa, exatamente no momento em que eu esperava que ela me encontrasse, ou ainda melhor, esperava me encontrar dentro do seu olhar. Seria como aquele encontro de alma, romântico como me agrada, que faz com que pessoas voltem a se aproximar de um jeito amoroso como se o tempo não tivesse passado e por algum motivo as distanciado um pouco. Este era um desejo meu, escondidinho. E agora acontece isto?! Ao invés de me encontrar ele teria me perdido?! Não, não era possível! Tentava me manter calma.
Olhei para as quatro portas, a Confeitaria me pareceu bem maior. E se ele tivesse ido mesmo para a praça onde D. Pedro IV, aquela estátua que não é equestre porque foi aqui no Brasil, como Pedro I que ele, em seu cavalo, veio gritar pela liberdade? Escolhi uma e fui novamente para a calçada. E lentamente, fiz um giro de 360 graus. Lá pelos 180 graus me imaginei telefonando aos filhos para dizer: - Perdi seu pai! Aos 270  minha índole positiva já tinha afastado este pensamento, eu não estava gritando como D. Pedro,  estava aflita por ele, eu estava orando:
- Ah! Não devia tê-lo deixado ir sozinho. Deus, proteja-o! Não deixa ele ficar aflito, coitadinho, pensei eu, tomada por uma onda de cuidado e carinho. Não deixe que nada lhe aconteça,  proteja-o e....
E então, aos 55 minutos e 360 graus de uma não tão remota intenção, o meu olhar aflito e o olhar despreocupado dele se encontraram.
- Eu demorei um pouco porque  fui ali na outra loja ver se encontrava meu sapato, disse-me ele. Eu poderia socá-lo se não fosse por aquela onda de cuidado e carinho, que me fez sorrir de alívio por ver que estava bem, sensação que muitos de vocês talvez já tenham sentido.

E fomos juntos, finalmente, tomar o nosso café.........
foto e texto: vera alvarenga

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