Estava tão quieta que não seria notada se
não fora porque a outra, em frente à doutora, neste momento falara algo sobre ela.
Permanecia, ultimamente, quieta e um tanto distante, mas ouvia as duas mulheres
experientes a falar sobre a vida que era mesmo assim, o sexo que era bom, o
tempo implacável e os homens. Assuntos complexos resumidos em pouquíssimas
palavras. Finalmente a outra voltou ao principal - ela. Afinal
tinham ido lá, em parte, por causa dela. Antes, nunca tinha sido um problema,
mas agora, era. Antes, todos os hormônios pareciam adequados ao que dela se
esperava. Ela, agora parecia rebelde. Por que demorava compreender que um dia,
de repente, tudo acaba? Não, não precisava ser de repente, como um corte, um abismo
ou a morte!
Para ela, sempre haveriam pontes a se
atravessar mesmo a passos lentos, e processos em transformação com infinitas
possibilidades antes de se considerar que uma moeda só teria dois lados, mesmo
porque não tem. Teimava em não deixar-se surpreender apenas pelos opostos
absolutos - o branco ou o preto, o sim ou o não, o pecador ou o santo, o céu ou
o inferno - e há muito sabia não pertencer ao grupo dos que são capazes de
fingir que dançam num mesmo ritmo o tempo todo, ao som da mesma canção, como bonecos
movidos à corda, aprisionados numa caixinha de música.
A
mulher, discretamente, falou dela um quase nada, embora o bastante, porque
escolhera acertadamente as palavras que a descreviam com a importância que
merecia. Falara, contudo, sem o entusiasmo com o qual teria gostado de ouvir
alguém referir-se à parte mais feliz de si. O tom da conversa era pouco
vibrante,como se tivesse pudores ou
receio de confidenciar à profissional, outra mulher, o quanto se orgulhava e tinha
sido bom conviverem felizes por tanto tempo. Ignorando sua presença, as
duas falaram num tom nostálgico, como especulando
sobre alguém que fora importante, deixaria saudades, mas que, como todos já sabiam, era certo que logo
não poderia estar mais ali.
Mentira! ela estava, e bem viva! Mas
continuava calada. Sentia vontade de gritar para que não a ignorassem como se
nada fosse, pois ainda vivia! Ainda sonhava viver. Embora prevendo os dias contados,
ninguém, nada, conseguira acabar com seu desejo de viver e ser. Ainda não. Como
ser de outra forma, ela, que na outra, fora a amante?
Em segredo, apaixonada pela vida, flutuava
nela sempre que o sentimento de amor tomava conta de si e o permitia. O amor,
diziam, tinha diferentes modos de se fazer. Ela o sabia. Para ela, felicidade
era amar e amar era fazer o outro feliz, e isto era possível de modos
diferentes, com tantos infinitos detalhes e gestos, quantos fosse possível sua
imaginação conceber. Mas... sentir-se amada, era uma outra coisa! Dependia do gesto
do outro. E o amor não é apenas sentimento –
é ação, é verbo, e é assim que se pode recebê-lo. Se não for ação, aprisiona-se
como o boneco que dança solitário numa caixa de música espelhada e fechada, ao
som da canção que só ele pode ouvir. Sua memória trazia lembranças gravadas no
corpo. Com seu homem, fazer amor tinha sido o modo habitual de sentir-se amada.
Seus corpos foram o espaço sagrado onde ardia o fogo no ritual pelo qual ele se
permitira deixar-se encantar. Nele, percebia o amor que dela recebia mais do
que em todo o resto, fazendo deste o seu próprio gesto de amá-la.
Como
sentir o amor dele, agora? E, não podendo fazê-lo feliz como quando o mundo era,
para ele, simplesmente branco no preto, precisava lembrar como novamente amar dos
diferentes modos que antes pensava possíveis, antes de ser convencida do
contrário. Na alma, escondidas, as cores do arco íris. No corpo, o branco e o
preto, tatuados.
Sentiu
na boca da outra, que era a sua, o mesmo sorriso amarelo da doutora que, cruel ou sabiamente, proferia a sentença,
como se ela e o amor não estivessem presentes ali:
- O tempo é implacável. E se ele diz que a
chama não precisa mais arder deste modo, para que tanto hormônio? Melhor deixar
o fogo se apagar lentamente - a vida é assim...
E
foram para casa juntas. Em sua rebeldia, ela ainda não se sentia velha para
amar...
foto retirada do Google imagens.
Texto: Vera Alvarenga
Vera, voce precisava pegar estas suas postagens e transformar num livro. Voce tem muito dominio para colocar por escrito situações. Para mim é facil "ver" as cenas.
ResponderExcluirÉ isso: o amor tem que ser ação, mas tambem, por que não?!, reação.
Beijos
Ação e reação, quando se complementam harmoniosamente é o melhor que há para se viver, não é mesmo,Sissy? Quando não for possível, então, que tenhamos a sorte e convicção firme de que, de nossa parte, o compromisso com o amor e o desejo de vivê-lo é o verbo.
ExcluirVou pensar no livro... o problema é que não sei como fazê-lo sem gastar muito e depois ficar com todos eles em casa...( vender, pra mim, é coisa difícil..rs...)
Beijos
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