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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Em pele de lobas.....


 Não importa como sejamos, baixas ou altas, aparência forte ou frágil, recém chegadas à fase adulta ou ainda mais velhas e é evidente que a experiência solidifica um pouco mais o fato, mas por assim dizer, em todas nós há uma "loba"...
   Que caminha e enxerga no escuro, que tem faro para encontrar e descobrir as coisas antes mesmo de ser apenas surpreendida por elas, que age por instinto e pelo coração mas que desta vez permanece em foco quando é necessário para defender a matilha, o que e quem amamos, inclusive um outro membro do grupo a quem antes aceitamos como um de nós.
   E por vezes é por instinto de preservar estes que são "nossos" que somos capazes de nos tornar fortes, vencer distâncias em segundos e saltar quando necessário para ficar à frente. Evidentemente estou comparando com o instinto das lobas, esta força que vem de nosso interior, colocada lá, penso eu, por Deus, à nossa disposição para dela fazermos uso quando necessário. Dizem que é mesmo por amor ou paixão que conseguimos nos flexibilizar para agir nem sempre apenas dentro dos padrões confortáveis do que estamos acostumadas, mas por um objetivo maior do que nosso conforto.
   Em algumas ocasiões, nós mulheres enquanto lobas reconhecemos outras e com elas vamos a um passeio pela mata, ou lambemos uma igual que está ferida, ou trocamos sabedorias ou apenas caminhamos juntas para não nos esquecer que temos esta força em nós. É quando a vida nos ensina também através dos nossos limites a ser compassivas e que, ter auto estima é importante para passarmos confiança à matilha e para a própria sobrevivência.
   Por vezes ouvimos o rosnar de alguma loba... o rosnar rouco e tão próximo vem daquela que se postou à frente de algo em atitude de defesa ou ataque se preciso e, de repente de entre os dentes dela caem umas gotas da saliva e enquanto a gente ouve o som percebe que as gotas molham nossa própria boca.... que são nossos os pelos da nuca arrepiados e que desta vez, somos nós que estamos ali ...

Foto retirada do Google images
Texto:Vera Alvarenga

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A mulher, a loba e a benzedeira...

 Há muitos anos atrás numa pequena e calma vila, onde morava gente simples, comum, havia uma boa mulher, que antes fora também comum como todo mundo, até o dia em que bebeu a água da fonte proibida e ficou doente.
Ninguém ao certo sabia porque era proibido, às mulheres da vila, beberem daquela fonte, mas assim era. Como as mulheres eram ingênuas, em sua simplicidade obedeciam sem discutir. Aliás, há muito tempo que, só  homens fortes e corajosos ou animais sedentos se serviam da água que, conforme se dizia, tinha gosto amargo, estranho. Não faria bem para mulheres, com sua frágil constituição. Embora pouco comentado sabia-se também que a água, que escorria um tanto escura da fonte por estar à sombra das árvores, ao ser tocada por uma mulher, resplandecia como se fosse banhada pela luz do sol, pura e cristalina. Talvez este mistério fosse o sinal de que era algo sedutor porém perigoso, que devia ser evitado.
No passado, naquela vila, as que tinham ousado experimentar da água sofreram males para os quais os médicos da época não conheciam a cura. Algumas enlouqueciam ou eram tratadas como se tivessem perdido o juízo.De qualquer modo, perdiam algo precioso para si. Isto justificava portanto, a proibição feita para proteger as mulheres e explicava a pacífica atitude de obediência a ela.
Um dia porém, aquela mulher que há anos morava na casinha toda florida e enfeitada, aquela ingênua e boa mulher comum mas nem tanto assim, aquela que de vez em quando, distraída dançava e cantava em seu jardim não se dando conta de alguns olhares curiosos de quem por ali passasse, um dia ela, não só tomou da água mas escorregou e caiu na poça em frente à fonte, e nela se molhou inteira. Deste modo, ao voltar para casa, de início envergonhada, pensou que deveria esconder sua insensatez, mas não conseguia, mesmo porque a água que molhara sua roupa atraía os olhares, e ela se sentiu nua. Ao caminhar em direção à sua casa ouviu cochichos, mas não se importava porque sentia dores nos olhos, via o mundo de forma diferente e não sabia ainda o que mais viria como consequência de sua ousadia. Apenas tinha a certeza de que, pela primeira vez era urgente que cuidasse de si.
O pior estava mesmo por vir! Ela, que era tão comum e ingênua, às noites ficava completamente exausta, como se notasse pela primeira vez que suas forças finalmente estavam exauridas. O que antes lhe dava prazer, agora a lembrava de sua fragilidade e ela já não sabia se isto era bom ou ruim. E, durante algumas noites de lua cheia ela chorou, e seu choro podia ser ouvido por toda a vila, como se fosse o uivo de uma velha loba ferida. Ela não se envergonhou por isto, nem por sua voz. Contudo, durante o dia, algumas pessoas a aconselharam a aquietar-se, para o bem de todos ou por diferentes motivos. De início ela usou da artimanha de amordaçar a si própria, com um lenço de seda, nas noites de luar. Foi então que de seus olhos vermelhos começaram a saír faíscas e ela foi obrigada a olhar-se no espelho a cada vez que pingava colírio. E viu sua culpa, sua ingenuidade, sua vergonha e sua força. Sozinha,chorou de tristeza, de dor, de raiva e de amor até calar-se.  E, quando não havia mais lágrima pra chorar, e todos os pássaros fugiram de seu jardim, foi então que ela recebeu a visita de uma velha benzedeira.
  - Benze meus olhos, para que eu veja como antes...pediu.
  E a velha lhe disse que tudo ia passar mas que ela estava se transformando, e como não se pode ter um dia igual ao outro após uma grande tempestade que derrubou árvores, fez estragos e abriu clareiras, assim também ela teria de recomeçar a cada dia, vendo a luz e a sombra, chorando e sorrindo, buscando dentro de si a luz do amor e dançando em seu jardim quer fosse sozinha ou acompanhada por quem tivesse a coragem de compreender a dor de suas perdas e o valor de suas conquistas. Ao se despedir, a velha não lhe deu o abraço que ela desejava receber, mas um conselho:
  - Acima de tudo, por mais que lhe seja difícil compreender sem culpa, acredite que jamais serás a mesma, terás de aprender a defender-se como defendias as tuas crias e a voltar a crer em seus instintos, mas isto não é um castigo, é uma benção...
   Texto: Vera Alvarenga
   foto: Google images.

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