Despedir-se do que se gosta é
difícil para muita gente. Costumo despedir-me aos poucos, porque há muito
aprendi que vida é movimento, nada é eterno e mesmo o que a gente goste, não
dura. Assim, quando gosto muito de alguma coisa tento dar-lhe a devida atenção
no momento presente em que ainda a tenho. Então, despedir-me? tudo bem.
Despedir-se das pessoas de
modo geral é um pouco mais difícil. Então, dou-lhes atenção mas tento não apegar-me muito a elas porque sei que não me pertencem. Até dos amigos, familiares
já tive de afastar-me, como muitas pessoas antes de mim já tiveram, movidos por
contingências do trabalho, da decisão de recomeçar tudo em outra cidade,
enfim... despedir-me, tudo bem.
Despedir-me ou me afastar de
alguém ou coisas que gostava como atividades, ou mesmo trabalho que adore, cantinhos
especiais onde faço o que me dá prazer, a casa onde se mora, já vai trazendo
maior dificuldade, ou diria melhor, requer mais esforço para desprender-se.
Contudo, a gente leva para onde for, a possibilidade de recriar a partir
da própria criatividade e capacidade de amar que, esta sim, nos pertence.
Então, tudo bem também.
Nossa! como sou lenta nisto! Como
demoro a aprender com a raposa. Como é extremamente difícil desenrolar-me, desatar
laços que estão adornados por sonhos, esperanças, desejos, sentidos, emoções,
sensação de ser especial.
Quem não deseja sentir-se
amado? Quem não quer ver um olhar dirigido a si, que traga brilho e desejo de conhecer e ter mais do que somos?
Quem não deseja ver-se reconhecido no olhar do outro? E disto, já foi
comprovado, depende a vida! Por mais que nos façamos fortes e espiritualizados,
é do que precisamos.
E quando se sonha com isto,
ou pior, quando a gente chega mesmo a sentir que é finalmente ou novamente possível,
quando a gente quase alcança ou até o faz, a gente tem tanto medo de perder.
Porque tem muito a perder! Significa ter consciência de que a partir dali, por um tempo que não sabemos quanto, a
vida será ainda mais frágil do que sabíamos que era, porque esvaziou-se do
sentido principal.
Ah, e a vida é tão frágil! E
nela estaremos então, tão soltos, sem raízes, sem vontade de voltar para o
leito, poder ir para os braços, perdidos que estamos do sonho que nos recarregava de esperança e luz. E
tal modo de estarmos não nos trará a sensação de Liberdade, mas apenas da
inconsistência, da impermanência no que vale a pena.
Um amigo enviou-me hoje esta
frase : - "Todos os dias Deus nos
dá um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. O instante
mágico é o momento em que um "SIM" ou um "NÃO" pode mudar
toda a nossa existência" Parece significar que é necessário aproveitar toda
a chance que Deus nos dá.
Sei bem disto. Quando eu era
andorinha, não me sentia sozinha e costumava não deixar o trem passar na estação sem que aproveitasse o
momento para uma criativa mudança. Entretanto, para mim agora, acima e além
disto, a frase significa também que devemos levar em conta as responsabilidades
com a gente mesmo, com o que a gente pode ser de melhor. É preciso antes olhar
nos olhos do maquinista para ver se ambos queremos partir juntos para um mesmo
destino, ainda que desconhecido para nós. Porque a gente já experimentou outros
momentos que pareciam raros é que a gente sabe o que quer ou o que não quer
mais! Nem tudo que cai na rede é peixe. A gente sabe que não é qualquer chance que nos interessa. Que não é
qualquer pessoa que preenche em nós aquele vazio e nos devolve as asas da fé e
da liberdade de viver a vida como ser único e divino em sua essência, e que quer
viver a felicidade alcançável, respeitando o outro e sendo respeitado por ele. Não é com qualquer outro que a gente sente que está vivo novamente, ou com quem quer viver tudo que ainda for possível. Ah,
e como a gente queria que o outro a quem entregamos nossos sonhos, quisesse nos
entregar também os deles e pudéssemos voar juntos, além e acima dos trilhos de
uma vida pré programada.
Ter de despedir-se deste sonho,
porque não há o trem com o maquinista na estação, ou o que lá está não encaixa
mais no que queremos construir do nosso destino, é como não poder mais alimentar o pássaro dourado que
vinha cantar em meu terraço e alegrar minhas manhãs. É como perder a luz do sol porque é despedir-me
do ideal, que estava já entranhado em mim e justificaria tudo o mais.
Esta despedida sim, me
apavora, de um jeito que nada mais o tinha feito e me deixa fora de prumo, meu
ritmo entra em desassossego, perco a direção e isto me aflige. Por isto então é
algo além de minhas forças, dói só de pensar, machuca, me acovarda, me deixa
pequenina, frágil como a adolescente que está sentindo que vai lançar todo o
seu orgulho no chão e abrir o maior berreiro! E sabe que ninguém vai escutar,
porque não tem sentido que alguém venha lhe salvar, se antes já não tivesse
vindo sorrir com ela.
Perder o sonho em que se apoiam outros valores significa, por um tempo
que pode ser longo demais, esvaziar-se de sentido, do desejo e da crença em que
: “ Por amor, tudo vale a pena, basta querer amar!” E este é o valor pelo qual caminhei toda a
minha vida até agora, sempre com esperança, levantando após cada pequeno tombo,
porque nada era grande o suficiente para me fazer cair de vez. Agora estou no
chão, embora ainda deseje voar. Não há peneira que tampe o sol que quase me
cega mas deixa à luz, a verdade de tudo o que envolve minhas recentes
descobertas sobre meus valores e sonhos e crenças.
Talvez o meu momento seja
aquele em que tenha de aprender de um jeito que jamais esqueça, que não basta
querer amar. Para isto é preciso dois, que queiram olhar juntos para o mesmo
destino. Isto me parecia tão romanticamente óbvio, mas é na prática que dói. É
um tempo em que tenho aprendido a dor da perda como a morte de alguém. E o
tempo de luto é longo. É tempo de respiração suspensa, de medo e necessária
coragem para encarar o fato de que não tenho nenhuma garantia,que o único sentimento que
conheço é o meu, que é verdadeiro, forte e real e que quanto mais tentava
explicar e evitar,mais me entranhava nele. É o tempo de reconhecer que nada
mais posso fazer além de me entregar ao meu sentimento, com a humildade que
devo a mim mesma, para depois de conhecê-lo, saber o que virá.Texto e foto: Vera Alvarenga