Lendo uma crônica bem humorada de Luis Fernando Veríssimo a gente não pode deixar de entrar na história e imaginar-se ali, como naquele diálogo tentando um acordo com o Diabo.
Já estou até vendo as duas secretárias dele cochichando entre dentes e riso debochado, ao mesmo tempo que levam o espelho embora:
- Falsa! Não quis ser jovem e bonita outra vez?! Pois sim!
Mas a coisa não é esta. Ser ou não ser, não seria a questão aqui, pelo menos não comigo. Comigo seria na base do sentir. O que queria mesmo é que, estando com meu companheiro, eu me sentisse especial e bonita...que ele me achasse linda sorrindo, tendo eu rugas, ou não... Afinal, sou avó, não me ficaria bem a mesma cara dos quarenta.
- Ah, então você quer algo especial! Posso providenciar, imagino que o capeta me diria.
Certamente que teria de ser especial. E tem mais, eu ia querer algo pra ele também.
- Isto já não costumo fazer. Dois por um preço só? Cada um pede para si e eu atendo, é o que faço. Não trabalho com procuração.
Você sabe como sou... algo só pra mim? De que me adiantaria?
- Só por curiosidade, o que me pediria caso eu resolvesse abrir uma exceção?
Simples. Que ele, estando comigo, pudesse também sentir-se jovem e bonito. Isto é a parte mais fácil, nunca tive dificuldades nisto. Contudo, chega uma época da vida que parece que as coisas desmoronam, e a gente fica amargo consigo e com o outro, porque se cobra demais. Aí entra você. Seria para que encontrássemos nosso jeito de rir juntos, com uma disposição para o bom humor à prova de vaidades e qualquer dissimulação. Já não tenho mais tempo a perder com rabugentices, críticas excessivas. Sabe aquela coisa da gente simplesmente se divertir, de fato, um com o outro, antes que você nos viesse buscar?
- A..ha...Bem, diversão mesmo, você sabe... aí tem de ter, huummm... como direi para uma senhora na sua idade, sem ser grosseiro? digamos, pelo menos um pouco de sensualidade. Não é pouco o que me pede, ainda mais para dois, depois dos sessenta. A senhora poderia ser mais específica?
Claro que não! Sem detalhes. Disto, com bom humor cuidaríamos nós, a nosso modo, afinal, teríamos prazer de estarmos juntos lembra? Então, o resto seria por nossa conta.
- E risco?
Claro! Você crê muito pouco na criatividade e flexibilidade humana, não é mesmo? Mas não o culpo. Então seria isto, para nós dois... estarmos juntos sentindo prazer em viver, sem frescura, com delícias e ternura.
- Interessante a conversa, mas como disse no início, não costumo assinar contrato com um, para satisfazer a dois. E além do mais, o que me pede é como que um milagre. Não é bem da minha alçada. E quem me garante que ele iria se comprometer de fato, querer a mesma coisa que a senhora? Não tá se achando muito poderosa pedindo algo por ele? Quando eu viesse buscá-lo seria capaz dele recuar, e ainda me dizer que foi enganado!
Pois é, se não dá pra colocar ambos na mesma canoa, nada de acordo meu caro. Não é por ora que me comprometo a por meus pezinhos na "barca do inferno".
Foto retirada do Google.
Texto: Vera Alvarenga, inspirada por "O que eu pediria ao Diabo" - Luis Fernando Veríssimo.