segunda-feira, 22 de abril de 2013

Rotinas, "espontâneamente" cultivadas, são fundamentais...


Viver dá trabalho. E viver sem rotinas dá mais, para qualquer um, aposentados ou não, todos precisamos das rotinas que nos facilitam as coisas. Mas estou pensando naquelas que vem de uma atitude que um dia foi novidade e espontânea, e depois virou rotina que só existe porque faz a vida ficar mais gostosa. Pequenas rotinas...
- Não é importante, diriam alguns. Se não leva a nada, pra quê?
- Ah! é sim! se é! são bem destas coisas que a gente sente saudades ou lembra com um sorriso, como se fosse uma trégua ou intervalo pra relaxar no meio a tudo o mais.
   Como a rotina que eu e meu amigo Antonio Carlos tínhamos uma vez por semana, ao voltarmos do atelier de escultura do Calabrone. Eu dava carona a ele até minha casa e ele continuava dali, sozinho o resto do caminho, não sem antes, durante o trajeto, conversarmos sobre nossas coisas. Falar de um projeto, comentar o tema em aula e mais raramente sobre algo mais importante da vida de cada um. Coisa rara a gente poder falar com alguém sobre o que quiser. E a gente tinha isto.
   Quando parei o curso, esta rotina foi abandonada. Normal, vida corrida pra cada um de nós e, quase já não falávamos mais. Que pena. Que mania a minha de não gostar de telefonar, de ser meio bicho-do-mato. E naquele tempo não tinha emails. Agora, o que não temos mais é o contato a não ser em pensamento. Ele, lá no céu, fazendo esculturas para São Pedro e eu aqui, não fazendo mais escultura nenhuma e há muito, sem meu atelier. A gente bem que podia ter mantido contato, só pra dizer um "Oi", "Bom dia!" o que anda fazendo, como foi a semana? Ah, tudo bem por aqui e não estou fazendo nadinha, já seria de bom tamanho. Ou, eu estou confuso, ou doente, vem me ver... Como eu gostaria de ter sabido.
   Tem coisas que fazem bem e não custam muito, e como eu costumo dizer às vezes, "põem um sorriso na nossa cara" e a gente bem que devia continuar a fazê-las. Não estou me referindo a uma porção de emails e frases vazias, no meio de uma correria só para se manter antenado ou ligado com milhões de pessoas ao mesmo tempo. E gosto muito de poder ter amigos virtuais, pois que entre eles, alguns se tornam especiais, mas isto é outra coisa. Estou falando daqueles por quem a gente tem um especial carinho, que a gente sente que são parte da nossa vida, e são a boa parte. Com eles sempre vale a pena a gente cultivar uma troca gentil de gestos que adocem a boca.
   Algumas rotinas bem que deviam poder continuar... Algumas valeriam a pena a gente criar...Ah, não faz mal que a gente tenha de criá-las, trabalhar nelas, se comprometer...é por isto que são boas.
   - E aí, vamos assistir a um filme por semana, bebendo vinho? Que tal um joguinho de cartas? Um bom dia pela manhã, uma vez ou outra, contando as novidades? Ou como aquela à qual, em casa, nos habituamos. Antes de sentarmos para o café da manhã, tem um abraço que gosto de dar... por tantos motivos e nem que fosse por apenas estarmos começando vivos um novo dia.
E um dia começou a ficar meio rápido... e é aí que a gente tem de ficar atento. Não vale fazer só por fazer, é como beijar olhando o futebol na TV!...rs....
   - E aí, dormiu bem? Uma simples mas interessada pergunta. E a mão, que nas costas tem de descer um pouquinho, interessada no abraço. Sim, assim mesmo que é bom, é assim que eu gosto. E entre sorrisos ele lhe dá um tapinha...de leve, e foi espontâneo. Viu só, como é bom "cobrar" pequenas atenções? Como à noite, antes de dormir, aqueles primeiros minutos no início do sono, deitada no ombro do homem que é nosso companheiro. Se não fosse isto, do que teríamos saudades quando um viaja e o outro fica? das brigas, grosserias, discussões? Claro que não. E do amigo que sumiu ou morreu, nos lembraríamos do que?
   Algumas rotinas, como o cafèzinho com minha mãe em casa dela, deixam uma saudade boa... sempre valem a pena, porque são especiais. É a melhor coisa que fica do que vivemos com alguém. São as boas lembranças, que dão mais sentido e nos confirmam que estávamos comprometidos com os que queríamos bem. Não é?

Foto e texto: Vera Alvarenga 

sábado, 20 de abril de 2013

Diálogo com o Diabo...sem acordo.

   
   Lendo uma crônica bem humorada de Luis Fernando Veríssimo a gente não pode deixar de entrar na história e imaginar-se ali, como naquele diálogo tentando um acordo com o Diabo.
   Já estou até vendo as duas secretárias dele cochichando entre dentes e riso debochado, ao mesmo tempo que levam o espelho embora:
- Falsa! Não quis ser jovem e bonita outra vez?! Pois sim!
   Mas a coisa não é esta. Ser ou não ser, não seria a questão aqui, pelo menos não comigo. Comigo seria na base do sentir. O que queria mesmo é que, estando com meu companheiro, eu me sentisse especial e bonita...que ele me achasse linda sorrindo, tendo eu rugas, ou não... Afinal, sou avó, não me ficaria bem a mesma cara dos quarenta.
- Ah, então você quer algo especial! Posso providenciar, imagino que o capeta me diria.
   Certamente que teria de ser especial. E tem mais, eu ia querer algo pra ele também.
- Isto já não costumo fazer. Dois por um preço só? Cada um pede para si e eu atendo, é o que faço. Não trabalho com procuração.
   Você sabe como sou... algo só pra mim? De que me adiantaria?
- Só por curiosidade, o que me pediria caso eu resolvesse abrir uma exceção?
   Simples. Que ele, estando comigo, pudesse também sentir-se jovem e bonito. Isto é a parte mais fácil, nunca tive dificuldades nisto. Contudo, chega uma época da vida que parece que as coisas desmoronam, e a gente fica amargo consigo e com o outro, porque se cobra demais. Aí entra você. Seria para que encontrássemos nosso jeito de rir juntos, com uma disposição para o bom humor à prova  de vaidades e qualquer dissimulação. Já não tenho mais tempo a perder com rabugentices, críticas excessivas. Sabe aquela coisa da gente simplesmente se divertir, de fato, um com o outro, antes que você nos viesse buscar?
- A..ha...Bem, diversão mesmo, você sabe... aí tem de ter, huummm... como direi para uma senhora na sua idade, sem ser grosseiro? digamos, pelo menos um pouco de sensualidade. Não é pouco o que me pede, ainda mais para dois, depois dos sessenta. A senhora poderia ser mais específica?
   Claro que não! Sem detalhes. Disto, com bom humor cuidaríamos nós, a nosso modo, afinal, teríamos prazer de estarmos juntos lembra? Então, o resto seria por nossa conta.
- E risco?
   Claro! Você crê muito pouco na criatividade e flexibilidade humana, não é mesmo? Mas não o culpo. Então seria isto, para nós dois... estarmos juntos sentindo prazer em viver, sem frescura, com delícias e ternura.
- Interessante a conversa, mas como disse no início, não costumo assinar contrato com um, para satisfazer a dois. E além do mais, o que me pede é como que um milagre. Não é bem da minha alçada. E quem me garante que ele iria se comprometer de fato, querer a mesma coisa que a senhora? Não tá se achando muito poderosa pedindo algo por ele? Quando eu viesse buscá-lo seria capaz dele recuar, e ainda me dizer que foi enganado!
   Pois é, se não dá pra colocar ambos na mesma canoa, nada de acordo meu caro. Não é por ora que me comprometo a por meus pezinhos na "barca do inferno".

Foto retirada do Google.
Texto: Vera Alvarenga, inspirada por "O que eu pediria ao Diabo" - Luis Fernando Veríssimo.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Entregando a alma a Deus ou ao diabo...


Estava relendo um post antigo e me lembrei de uma mulher que conheço.
Ela, certamente, venderia sua alma ao diabo se ele, olhando nos olhos dela e colocando o som que ela imaginava nas palavras, lhe dissesse: - " Minha querida!...." E se ele a tomasse em seus braços e ela sentisse que estava em paz, então...
Isto me fez lembrar de outra que, ao contrário,tudo imaginaria ser obra de Deus, todos os sinais, as coincidências da vida, a redescoberta do prazer de se estar vivo, e os sorrisos brotando deliciosamente no jardim de seus lábios mesmo que já quase ressecados, tudo seria provavelmente uma benção, o mundo conspirando a seu favor...

Também vi um casal de velhos( um só entre muitos),ambos de cabelos prateados, mas estes se olhavam com carinho e brincavam como se entre eles não houvesse nenhum motivo para mágoa. Queria poder envelhecer assim, como quem aproveita os últimos dias de férias...

Evidentemente conheci homens que também venderiam sua alma ao Diabo ou a entregariam às mãos de Deus se, qualquer um deles lhes mandasse, por exemplo, um enviado que lhes satisfizesse a vaidade. Talvez alguns queiram ser de fato amados e outras mulheres, bajuladas. Bem sei eu que há muitas possibilidades.

Ah! os necessitados! Os que buscam o que sentiram falta, os que não querem viver sem o que já provaram, os que procuram, os que se inquietam, os que ainda se surpreendem e puros de alma ainda querem se deslumbrar, os cansados de tentar, os que não se conformam ainda que se adaptem...Ah! os que ainda sonham, desejam e tem pena de desperdícios... 
Estes se entregam mais facilmente, ao diabo ou a Deus, pelo castigo ou pela benção, tudo por suas necessidades...tudo para não desperdiçar algo que julgam precioso...brindar à vida.

Evidentemente muitos há que estão numa fase que pode durar muitos anos até, sei como é, em que pensam que jamais necessitarão mais do que tem, não por presunção, mas porque estão amando e se sentem completos. E aqueles que fingem uma humildade que não possuem. E outros que se orgulham de nunca precisarem de nada, porque acreditam que se bastam a si mesmos, ainda que façam de conta que não contam com quem os ama e está ao lado. Estarão escondendo aí alguma coisa, olhando sem ver, sem reconhecer de si mesmos a própria humanidade? Sem reconhecer os presentes que alguém lhes oferece com alegria, que estão ao alcance das mãos. Mas tomam posse mesmo assim, fazendo de conta que nada tomaram para si. Claro, há aqueles que se dizem completos porque já aprenderam todo o saber e, então, gabam-se de nada precisar. Talvez não precisem mesmo e não devêssemos nos preocupar com eles. 
Neste grupo, evidentemente, não estou incluída. E alguns outros tipos há de haver, pois que do mundo conheço apenas o pouco que me rodeia.
E eu, é claro, sou daquelas sensíveis, e como não sou a mesma coisa o tempo todo, espio de longe o diabo, mas prefiro colocar tudo em melhores mãos. Se observo com olhos de quem não consegue ou não quer "amadurecer" totalmente, vejo que os melhores que eu, também não compreendem muita coisa. Somos todos necessitados de uma compreensão melhor. Depois de velha, fiquei malcriada. Chego a questionar os enganos que Ele pareceu cometer comigo ultimamente. Logo me calo, com medo do castigo. E imediatamente me lembro que não o temo mais como no colégio das freiras e volto a confiar n´Ele, embora não o compreenda. Por compreender-me, talvez ele saiba o quanto preciso de palavras assim carinhosas e as envia, de vez em quando. Sorrio ao pensar nisto. Ou talvez Ele não queira que eu esqueça o sabor de certas coisas, para que eu não pense que não existem. Para que eu possa aprender que há diferentes tipos de amor. E é bem aí  que não compreendo mesmo. Queria continuar burra! Por que me fazer saber disto? Minha mãe vivia dizendo: "o que os olhos não vêem, o coração não sente"!!
   Ui! me lembrei de como sou grata de poder ver e sentir o mundo, e não fingir. Pois é, reconheço, tenho uma grande qualidade, sou grata. E a gratidão me adoça, tanto quanto ouvir alguém que me chama :
 - " minha querida" - com verdadeiro sentimento de carinho. Palavras sem som, tem os significados que colocamos nelas. E quando pensava que tudo estava em paz e acomodado, eis que vejo palavras e coloco nelas os sons que imagino. E são apenas o que são, no momento em que foram ditas, mas são fortes, e doces, e me embalam, e é bom, e eu não finjo, me fazem sorrir e colocar a música que gosto... e me fazem cantar mesmo que depois chore ( porque são apenas palavras que não se repetem). Mas canto, como a natureza canta diante de tudo que se move em direção à vida querendo refletir a luz, ou o que é belo. E se fico feliz com pouco, é porque para mim, a vida é feita do pouco/muito que cabe em cada momento, é porque sou mulher simples e acomodada demais para buscar sonhos grandiosos. Gosto das pequenas coisas ( e das grandiosas também mas só quando são belas),  pena que não se repitam como numa rotina deliciosa de bem viver. Muitos há que conseguem plantar uma nova rotina para viver melhor e com mais valor, os dias restantes. Não posso reclamar. De tanto que sou persistente, consegui manter pequenas rotinas que são como gotas doces. E isto é sempre bom.
   Que maravilha que por vezes e por alguns instantes nossas almas tocam e se deixam tocar, sem medo, por aqueles por quem sentimos especial carinho. Com pequenos momentos de ternura que recebemos e oferecemos, os filhos que nos observam e são a humanidade que segue em frente, carregam consigo não a amargura mas a esperança como herança eterna a transmitir, se não como um exemplo vivo do amor ( o que seria muito melhor se nos vissem a exercitar com plenitude a vivência do amor), pelo menos como notícia de que nem todos desistimos de desejar, sonhar, esperar... por uma verdadeira capacidade de amar e demonstrar carinho pelo companheiro (a), e por que não? até por um antigo vizinho ou um amigo muito, muito querido que está distante.

foto retirada do Google imagens.
Texto: Vera Alvarenga. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Hoje ouvi o doce murmúrio de uma fonte...


Uma vez encontrei um tesouro. Não porque fosse ouro ou pedra preciosa de qualquer espécie, mas porque tinha, para mim, imenso valor. Porque surgira quando e onde jamais esperava, até porque eu nada mais esperava.
Eu o queria pra mim. E queria que quisesse me pertencer e me ter. Como o reflexo que, pelo que o reflete, vive. Como aqueles que pensam ser dois mas se sentem mais fortes porque são um. Ou vice e versa. Como o sonho que pensa que é dono do sonhador, e segue como se tivesse vida própria, porque o outro assim o permite, por amor.
Não era ouro, não era pedra, não tinha cor. Apenas eu o via e assim o sabia. Meu tesouro, o que era de valor, não tinha gosto, nem cheiro, nem forma que eu pudesse tocar, mas eu acreditava que saciaria minha sede, tão antiga como antigo era o meu mundo, por mais que eu tivesse sido feliz nele. Era como água cristalina e pura na qual eu queria mergulhar inteira, sem precisar me debater para não me afogar.
E vinha de uma fonte. Quando fui abraçá-la, sumiu. Nunca mais ouvi seu murmúrio, que para mim era como o barulhinho doce do riacho a correr lento sobre as pedras, nas sombras de um entardecer do verão que findava.
Foi tão surpreendente me dar conta desta visão nova para mim, que não queria perdê-la. Não podia!
Mas sumiu! Meu Deus, o que fiz eu?
Então, além das ventanias que há pouco acabara de enfrentar, e que nada mais eram do que o mal tempo já previsto embora não desejado, agora era o silêncio, a agonia do último sonho. Deparei-me com a culpa pela ousadia do sonho e por não ter sabido o que fazer com ele, e encarei o medo de envelhecer para sempre até lá de dentro dos ossos, até o fundo da minha alma, sem mais ser tocada pelo que parecia a fonte de onde nascia um arco-íris.
- Depois que se vive muito, é fatal envelhecer e desistir - assim me disseram.
Desisti. Pois desistir daquilo que não se pode ter é a coisa mais prudente e correta. E da desistência me veio a paz de quem volta a ser feliz, porque mais nada espera. Felizes os que não criam expectativas, já ensinou alguém a outros. Quem sabe por isto, para não criarem expectativas em relação às pessoas é que as pessoas tem tantos desejos então por possuírem coisas.....
Entretanto, tenho outra natureza, sou menos prudente do que me ensinaram...decidira guardar um segredo, apesar de tudo.
O meu segredo era apenas a imagem do que eu vi ou concebi um dia. Sem consistência ou verdade alguma, era mais verdadeiro do que tudo aquilo que podemos possuir, e ficamos anos lutando para não perder. E era meu. E estava em mim. O meu tesouro por si só era bom e sua presença me fazia bem, sem que eu pudesse interferir nisto, ou precisasse lutar para mantê-lo. Acho que ele é que me mantinha este tempo todo. E dele, que agora conscientemente estava em mim, me contentava em beber gotas. E por estar em mim, não será destruído enquanto eu não quiser, ou pelo menos enquanto conseguir me permitir ( sim, porque toda fonte que não se auto alimenta, um dia seca, pensei ).
  Eu brincava com ele, porque sabia que era apenas criação minha e não mais existia...Nem aquela que brinca existe.  Vive por trás de uma cara séria e compenetrada que envelhece agora, calmamente.
  Hoje, surpresa, ouvi um certo murmúrio e, ao duvidar, até senti alguns respingos em meu braço! Era verdade, estava lá! " Vi com estes olhinhos que a terra..."
   Surpreendentes são estas coisas que temos em nosso coração e, às vezes, agem como se tivessem vida própria! E como isto nos faz bem...Pra que fingir? se sei o que vejo e sinto, embora não explique.
  É como o personagem do livro que escrevemos e, de repente, nos surpreende com sua própria fala!
  Se eu pudesse, se fosse jovem, naquele momento meu coração teria saído pulando de alegria, feito uma cabrita, pela relva úmida! Ou, como mulher, na lua cheia, teria saído eu a dançar e rodar com os pés na areia e braços e cabelos ao vento! Mas tenho a dignidade dos que envelhecem com sabedoria...dos que querem ser felizes na paz, porque já sofreram.
  - ( Então, Psiu! quieta!). "Tudo é passageiro. Tudo é ilusão. O vento leva tudo". (Tudo o que é apenas exterior, eu retruco).
Nada é tão consistente como o que está no  coração( me lembrei), e isto sim, é de minha autoria, sabedoria de minhas entranhas. Seja no meu coração, ou no de quem quer que seja. Nada é tão verdadeiro quanto nossa própria mentira (ilusão) necessária, ou quanto nosso desejo insatisfeito e sedento que por algum tempo escondíamos de nós mesmos - Nada é tão verdadeiro quanto nosso sentimento. Não é preciso lutar com o que é verdadeiro. No amor se pode descansar.
  - Então, lembre-se...sim, tocar apenas o que realmente nos toca, o que é "real", pesar ação e reação na mesma balança, na mesma medida... se conseguir...parece ser uma boa norma para o bem viver a realidade deste mundo.

   ...Mesmo assim, não sou de negar o que sinto. Olhei pela janela. Eu já estava em paz, mas o dia, então, me pareceu por ora, mais azul e iluminado...  e tive de colocar aqui esta canção...estou nela...

Texto e foto: Vera Alvarenga
Canção : "Sonho de Ícaro" - Biafra

Vi tuas asas de esmeralda...

 
Viestes, mas não me deixastes nem uma só palavra. Então, o que ouvi no teu silêncio, não passava do som do meu próprio coração. Tuas asas coloridas roçaram minha pele tão levemente, que só por ser assim sensível pude sentir. Eu sei, nada me querias dar, apenas o que tenho é o que posso imaginar. Então, nem é de ti, é apenas o reflexo, algo do que tenho em minha natureza... e minha natureza é sonhar, é sentir a verdade que há no meu coração, é provar deste mundo o que emociona minha alma... é saber que nem sempre é possível compartilhar.
Voa, leva tuas asas coloridas aos lugares desse mundo... o meu está aqui, encontrei o meu lugar - é onde posso estar... livre mesmo assim, porque não aprisiono as asas do meu pensamento... e planto meu sentimento onde a terra se fizer fértil, mesmo que seja apenas em meu coração.
De lá saem as raízes que, transformadas, alcançam aquele que vem me beijar...
 
texto/fotos: Vera Alvarenga. 
 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O milagre de cada dia...

 
   Às vezes, do nada, ela se lembrava de um momento que parecia ter sido um sonho. Desta vez, lembrou-se daquele pássaro amarelo que um dia, chegou tão próximo a si, que quase pode tocá-lo. E ele parecia ter alma. Olhou tão fixamente dentro dos olhos dela que, por este olhar, ele a conheceu, e também ao seu segredo. Naquele momento, eles se conheceram e pertenceram um ao outro, eram da mesma natureza.
  Naquele dia, ela caminhava sobre uma pequena ponte e pisava como se fosse em ovos no ambiente que pensava pertencer a ele.  Entre as árvores seguia atenta e cuidadosa como se não quisesse, com gestos inesperados, invadir seu espaço, assustá-lo. Logo, porém, se deu conta. Sentia-se tão bem que sabia estar no lugar ao qual pertencia sua própria natureza livre e sensível. Adorava estar em lugares onde podia se deslumbrar, e ser a parte mais simples do que era. Amava aqueles recantos de sombra onde os tons de verde misturavam-se com os de terra e a água refletia o azul do céu, virava espelho e duplicava as imagens, onde podia libertar sua calma interior que exalava de seus poros e harmonizava-se com o ambiente que a cercava sem contudo, a limitar. Ao contrário, nestes momentos sua pele parecia dissolver-se e ela sentia que fazia parte de algo maior. Ali podia ser como gostava de ser. Podia entregar-se ao milagre que ocorre uma vez ou outra, na vida de cada um. Foi quando pensou que aquilo era bonito demais para pertencer somente a ela. Estar ali sozinha, teria sentido?  Desde há muito tempo ela era assim. Por vezes, se desejava que alguém mais estivesse com ela, não era porque conscientemente temesse a solidão, mas porque esperava que alguém mais pudesse compartilhar com ela daquele bem estar. Era quase como deitar-se ao lado de alguém logo após desfazer-se em prazer no ato de  amor. E então, ao sentir que sua pele se fechava novamente em torno de sua individualidade, poder olhar nos olhos do outro e ter a certeza que ambos tinham estado no mesmo lugar. Embora o prazer fosse, de fato, algo individual, para ela, partilhar era mais que dividir, era ampliar, perpetuar, tornar possível o milagre da multiplicação.
   Tinha a exata noção de que era uma pessoa de sorte. Sabia das guerras, das perdas e das mortes. E da solidão dolorosa para a qual cada uma destas coisas nos remete. Todo ser humano deveria poder experimentar o paraíso, descobri-lo ao alcance das mãos. E se conseguisse, mesmo que por alguns segundos, seria bom compartilhar em cumplicidade. Por isto pensou nele. Ela queria que ele estivesse ali também e pudesse respirar aquela atmosfera...
   Uma outra vez, numa viagem a um lugar maravilhoso de retiro espiritual, teve uma experiência deste tipo.  E foi tão intensa que ela voltou antes do tempo para o lado do homem que amava. Não pode aguentar estar num lugar tão fantástico sozinha. Simplesmente não  fazia sentido! Não se importava com explicações psicológicas, apenas queria contar a ele o que viu. Contudo, ele era de outra natureza, pensou que ela tinha voltado com a intenção de ver se ele a estava traindo! Naquele tempo, muita coisa, para ela, começava a não fazer sentido! E ela tinha esta sede de compartilhar.
 
  Foi quando aquele pássaro pousou a poucos passos de distância e o encontro se deu. Se ela entrou ali pisando em ovos, saiu caminhando nas nuvens, sonhando que um dia poderia compartilhar estes momentos fugidios nos quais o tempo se dissolve junto com os limite,s e a gente pode experimentar algo mais intenso, com asas de liberdade.
   Sim, ela sabia que era uma mulher de sorte, tinha de ser grata por ter tido, de um modo ou outro, oportunidades até aquele momento...

Foto e texto: Vera Alvarenga.
    

segunda-feira, 25 de março de 2013

Inconsistências.

- Tua visita me faz bem. Me sinto querida...

 - E porque pensas que ...
 - Vi tua luz acesa outro dia...
 - Você sabe que temos aqui nesta minha cidade por volta de seiscentos e quarenta e três mil habitantes? Se multiplicar isto por pelo menos três pessoas em cada residência poderíamos ter mais de um milhão de possibilidades. Poderia ser qualquer luz acesa em qualquer uma destas janelas. Acredite!
 - Mas era a sua, eu sei ( ou penso que sei), e fiquei feliz. Sempre fico. Nada de mais. Coisa simples assim como um sorriso que gruda ali no rosto por alguns momentos. Só isto, porque só isto é. E não te faz bem pelo menos saber que tua presença, apenas isto, faz bem a alguém?!!
 - Nunca é apenas isto.
 - Uma vez alguém ponderou se não seria melhor deixar os tristes entregues à sua tristeza, e os tolos às suas tolices. Sem envolvimentos, sem compromissos, nada pessoal mesmo para aqueles que convivem o dia a dia. Tantos vivem assim...
 - Já estás divagando. Não tem sentido. É ilusão que não se deve alimentar.
 - Sôbre ilusão, é claro, depois que, como num passe de mágica, alguém tira da cartola o coelho, então conta-se aos que se encantaram que tudo não passou de ilusão. E tudo é ilusão, já diziam desde sempre os pensadores, filósofos, religiosos, de muitas e diferentes formas. Será que existiu, de fato, o mágico ou éramos nós que precisávamos encantar nossas almas e, por isto, acreditamos e o aplaudimos? Quem nos fez levantar a cabeça e sorrir, então? Aquele que, com sua magia nos devolveu a fé por alguns momentos, ou nossa necessidade de sobrevivência? Ah, e o sentido? Talvez não seja apenas o sentido ou a falta dele, mas o que as coisas e pessoas representam para uns e outros. E do mais, você conhece o sentido? Sabe o significado da tua vida, do que sentes, das tuas perdas, daquilo que vês bem à frente do teu nariz? E os intelectuais que tantas palavras dizem e brincam com elas tantas vezes, e sabem da falta de nexo em tudo deste mundo pretensiosamente realista, conhecem o sentido ou ainda estão à procura dele?
 - Chega, assim não venho mais! Não estou dizendo que vim, apenas considerando que pensas que sou eu. A menos que compreendas a realidade das coisas eu... Sabe, poderia provar-te que estás enganada.
 - Já provou. Está bem. A razão aparentemente venceu e não quero ficar sem esta pequenina e frágil luz que me visita, mas não existe. E não me proves nada, nem com teu silêncio que já não me provou coisa alguma, nem com tuas palavras que mostravam a possibilidade de teus delicados sentimentos que a razão fez questão de classificar e agora, querem me ensinar como interpretar o que vi, li, ouvi. Ainda não sabes que para mim, o sentido está em sentir o mundo como o vejo em cada momento, não em saber dele as verdades inconsistentes e mutantes? Ah, sim! meu olhar é capaz de flexibilizar-se com o movimento da vida, mas grava na memória o sentimento do que quero preservar, quase intacto, deste mundo. Como uma foto, como um clic! Prefiro-o assim. Aliás, mais sorrisos eu quisera ver no meu rosto, e no teu, e no de tantos que envelhecem como nós sem conhecer o sentido de tantas coisas, mas preferindo vivê-las, mesmo assim...
  - Ah, mais uma última coisa... abraço-te, a ti que não mais existe, com tudo que já não sou.
Texto e foto: Vera Alvarenga




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