quarta-feira, 6 de março de 2013

Para os "bem humorados", discrição é prato cheio...


Andei lendo umas crônicas divertidas, ontem. Uma especialmente me fez lembrar o que ocorreu no restaurante outro dia. Quem é que não conhece um cara assim? Destes que tem bom humor, mas às vezes parece querer desafiar a mulher com seu jeito de brincar com quem mal conhece, em lugares públicos. Um cara destes que está sempre sorrindo, bom homem, mas que você não pode nunca abaixar a voz e pedir-lhe discrição ou fazer-lhe um sinal sutil, esperando que ele aguarde só um pouquinho para fazerem comentários longe das vistas de outros... Destes que não compreendem a delícia do que podem ser estes jogos sociais, na cumplicidade protegida pela intimidade.
Eles estavam no restaurante por quilo, onde almoçam todos os dias. Estavam na fila do caixa para pagar e ele diz para a esposa:
- Pergunta aí pra ele se é a filha dele, esta garota! Se referindo ao garçon que estava na mesa do canto, almoçando em companhia de uma moça. Ao que a mulher respondeu em voz baixa:
- Eu perguntar? Que é isso? E falando mais baixo ainda. Benhê..., eles podem ser namorados.
- De jeito nenhum. Não, ela é muito nova pra ele, tem 12 ou 13 anos! Pergunta!
Ela estranhou a insistência e ficou quieta. Era melhor. Mas ao sair, resolvida a relaxar e usar o assunto para uma conversa bem humorada para passar o tempo, comentou que a mocinha parecia ser a que já trabalhara no caixa por algum tempo. Ele duvidou. Sorriram os dois.  Ficaram ambos com vontade de tirar isto a limpo e ela, com aquele jeito dela, discreto e meio tímido, pediu-lhe  que,  pelo amor de Deus, não perguntasse ao rapaz se era “filha” dele. Isto não era coisa pra se perguntar.
No dia seguinte, o garçon se aproximou de sua mesa. Ela, sentindo que o marido já começava a sorrir, perguntou ao rapaz:
- Aquela mocinha que estava almoçando com você ontem, não era a mesma que já trabalhou aqui? Parece que me lembro dela...
- Era sim! Agora está trabalhando na loja ao lado.
Pronto, ela suspirou aliviada e sorriu ao rapaz com quem já haviam conversado algumas vezes. Este tinha a idade do filho deles e era muito educado. Ela se sentia bem por ter poupado ao rapaz e a ela mesma, o constrangimento diante do possível “fora” do marido. Sorriu  disfarçadamente porque sabia que não devia provocar-lhe.  E  levantou para servir-se, sabendo que cometera um erro. Aquele sorriso, mesmo discreto, significava que ela tinha acertado! Era provocação quase certa para quem não gostava de perder, nem que fosse num pequeno joguinho.  O marido sorriu pra ela daquele jeito que ela não gostava muito, com aquele brilho maroto no olhar e em alto e bom som, disse apenas uma frase:
- Pensei que ela era sua filha. Parece ter 12 anos! Ao que o garçon, sem graça, respondeu:
- Não! Ela tem 17! Olhando em direção à tal moça que acabara de chegar e lhe dirigia um sorriso.
Até hoje ela não sabia de fato se ele fazia isto para provocá-la, sabendo como ela ficava sem graça com certas brincadeiras dele com estranhos, se era pra se vingar dela por ela ter lhe dito o que não deveria dizer ou se era porque o marido tinha mesmo este jeito... era mesmo inocentemente assim....
Se ela soubesse que ele ia mesmo comentar, tinha dito pra ele, também  em alto e bom som, e sorrindo vitoriosa:
- Viu? Eu acertei!
Mas, quem mandou ela ser tão discreta quanto o garçon?...rs.... Apenas o cara tão bem humorado se divertiu!

Foto: retirada do Google.
Texto:Vera.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Joaninha dourada.

Lá fora, as meninas tomavam sol para bronzear, ainda mais, suas peles douradas. 
Ela não precisava disto. Sua cor fixara-se  naquele tom e lhe ficava bem. Estava despreocupada, a vida relativamente calma ainda que apresentasse os riscos de sempre. Resolveu, desta vez, seguir por aquele caminho, um tanto escuro, mas só pra ver no que dava. E a mulher que já conversara com ela algumas vezes, com voz macia lhe disse:
- A, de amor.
Continuou seu caminho, explorando...
- M, de meu.
Isto ela tinha aprendido bem. Em seu mundo era preciso, para a própria segurança,  distinguir rapidamente o que era importante e seu, daquilo que não era!
- E, de eu. Não tem jeito, a gente tem que começar por aí. Você é esperta! Vamos ver pra onde vai agora.
Desconfiou que a outra, embora lhe desse total atenção, estava também divagando. Mesmo assim, sua curiosidade a fez continuar naquele jogo que começava a fascinar a ambas, de algum modo.
- Incrível! Você parece estar sabendo para onde ir. Será que está ouvindo o que estou lhe dizendo?
Claro que ela ouvia. E também não era burra. Viviam em mundos diferentes, mas algumas coisas são comuns na vida de muitos. Conhecia os significados, só que antes, não precisara dos símbolos para compreendê-los. Palavras não eram a coisa principal de sua existência, mas a vida, a vida era sim, com certeza. Foi para o “n” , curiosa para saber o que a outra lhe diria.
- N, de nós.
Tá, parecia fazer todo o sentido do mundo depois do meu e eu.  Pulou então para o “i”.
- I, de intimidade. Como é bom quando podemos viver isto com quem ...
Sorriu. Algo em sua natureza  aguçou seus sentidos. Teve uma idéia e um arrepio gostoso passou pelo corpo. Dali mesmo ela pode ver que, pulando uma letra, havia novamente o “A”, de suas asas. Não tinha o dia todo pra ficar ali. A vida passa depressa!
- Ah! Tenho de tirar uma foto! Disse a outra. Espera um pouquinho... legal, consegui! Hei, já vai?
Se pudesse falar, ela daria um adeus à sua amiga e diria: - V, de “Valeu”!
Mas não podia, não precisava. Apenas queria viver...e voou...
Texto(crônica fotográfica) e foto:Vera Alvarenga

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ditado antigo: - " Quanto mais se reza...

Conheceram-se por acaso. Frequentavam o mesmo ambiente virtual.
  Ele, seguia o padrão, repetia frases que eram as de praxe naquele modo novo de encontrar amigos ou quem ouvisse o que tinha para dizer. Ela, não seguia padrão algum. A não ser o de sentir e falar do que a tocava, como se não tivesse medo de expor-se, mas não era bem isto. Era unicamente por inocência e aquela excessiva confiança dos que são inexperientes na arte e artimanhas da comunicação social, ou dos que estavam há anos sem falar de si.
  Ele, não acreditava em mais nada. Havia perdido pessoas que amava.Ela, havia perdido a si mesma, e assim perdida, pensava que nada mais lhe seria possível.
   Aproximaram-se aos poucos. Iluminaram-se por algum tempo.
   Ela, com aquele jeito protetor e natural empatia pelos que se sentem de alguma forma magoados ou incompreendidos, foi em sua defesa sem nem perceber, sem que ele pedisse isto.
   Ele, com aquele bom coração, embora machucado, foi ao socorro dela. Só queria dizer-lhe talvez, palavras de incentivo, apoio que ela mesma já havia oferecido a ele.
   Descobriram afinidades, suspeitaram valores semelhantes e algumas necessidades comuns.
   Ela, com sede, bebia todas as palavras, e passou a confiar que, após aquele tristonho por de sol, haveria uma manhã radiante. Ele, foi engolido pelo escuro da noite. E com ele, palavras perderam o sentido...
   Ela aprendeu que palavras sem sentido eram como os antigos gestos ausentes - frias.

  Tudo porque ela "viu" luzes no olhar dele, e no céu viu sinais de um novo tempo...
  Tudo porque ela pensou que tinha sido ouvida, agora que tinha decidido pedir algo exclusivamente para si.  
  A idade a tornara mais egoísta? Ou foi apenas uma crise, uma baita crise de cansaço?
  Não olhava mais para o céu e procurava a tranquilidade das noites sem sonhos. Difícil acostumar-se. Agora, ela era igual a todo mundo - com muita carne e osso, e não voava mais.  Já era mesmo tempo! Afinal, num futuro próximo, embora desejando que estivesse ainda um pouco distante, naturalmente aquela senhora que todos temem, viria naturalmente buscá-la. Carnes e ossos não duram para sempre, e ela, saberia então, se algum dia tinha de fato vivido ideais espirituais. Ela saberia, de uma vez por todas, se sua alma tinha a doçura e inabalável teimosia que suspeitava serem dela. Da alma.
  Tudo era como tinha de ser... A vida seguia em frente, cinza e bege, como na foto de um por de sol com o céu encoberto por nuvens. A vida seguia, com raros traços de cor mais viva quando ela ainda teimava em usar seu pincel. Quando olhava com os olhos da alma. Porque a vida na alma, ainda parecia conter todas as cores do arco-íris, não em possibilidades pois estas são da carne e ossos, e ficam raras com o tempo, mas em latência...

   E eu, ao saber desta história percebo que, quanto mais vivemos, mais temos a chance de compreender os antigos ditados de nossas avós, e me recordei de um agora: - " Quanto mais se reza, mais o diabo aparece!"
   Tenho certeza, no entanto, que ela nunca teria pensado em transformar em diabo, aquele homem que, de vez em quando, ainda vinha à beira de sua cama e teimava em acordá-la, chamando... - "Minha querida!"
   Como era doce aquele chamado. Como era bom lembrar.
 E quando ela deu-lhe as costas - às lembranças é claro, pois dele foi o que restou - finalmente decidida de que sabia o que era certo fazer, naquela mesma noite, igual às daqueles dias em que ela se sentia tão pequena, ainda permitiu-se ouvir uma voz distante, quente e macia... - "Meu pássaro dourado! até pensei que estivesses aqui, ao meu lado!"...
Era o seu segredo. Lembrar, era seu pecado. Tão egoísta como o de todos os que desejam algo só para si.
  .. Ainda esta noite de um dia em que se sentiu pequena, ela voou...e sorrindo, apesar de tudo, e até mesmo do orgulho que sentia de ser leal como era, entregou-se, só mais aquela vez, aos braços de um anjo que lhe fizera crer num mundo melhor...onde homem e mulher pudessem se amar, se respeitar e se comprometer um com o outro...um pelo outro, como fazem grandes amigos...
Texto e foto: Vera Alvarenga

 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A velha e o relógio...

               
 Ela mesma fez uma pátina para clarear a madeira que antes era escura. Só não conseguira diminuir um pouco do dourado daqueles pêndulos, mas ia pensar numa maneira. Se pudesse, na verdade, trocaria de pêndulos! Aquilo parecia grande demais e desajeitado, como se não combinasse com o restante do objeto. E era um grande objeto. Grande e bonito, precisava reconhecer. O relógio não podia passar desapercebido. Aliás, todas as mulheres da família, por um motivo ou outro, já o haviam imaginado em suas salas, fazendo parte, talvez um dia, de sua decoração. Menos ela. 
No entanto, lá estava a olhar para ele, não na sala, mas no quarto que reservara para a estante de livros e o computador. Era o cômodo da casa onde passava grande parte do tempo, agora que não ia mais fazer companhia para a velha senhora. Sim, no último ano, tinha ido lá muitas vezes e, numa delas fora pega absorta a olhar para ele e confessara que o achava bonito. A outra concordou com um sorriso misterioso, talvez de orgulho por possuir aquele bem de família antigo e cheio de história. Mas Anna não ligava para antiguidades e gostava pouco de relógios. Depois que fizera cinquenta anos, de repente tinha se dado conta de que o tempo passara depressa demais e que parecia ter perdido metade do sentido, após aposentar-se. Não só às mudanças de residência e cidade precisou adaptar-se naqueles dois anos, mas também a outras, em si mesma e na vida. Sabia que a vida se fazia de movimentos constantes mas, desta vez estava encontrando mais dificuldade para adaptar-se do que de costume. Em compensação, começava a conhecer melhor a dona do relógio. 
Não tinha certeza ainda se era mesmo boa como parecia ser algumas vezes, se era ingênua ou dissimulada. Entretanto, ultimamente sentia-se bem ao lado dela e admirava sua capacidade de adaptar-se às dificuldades usando alguma criatividade e resiliência. A dona e o relógio se pareciam. Após mudanças ou choques conseguiam voltar a um estado de calma eficiência, temperada com resignação, não como vítimas mas com disposição orgulhosa diante da aceitação dos fatos. Foi com imensa surpresa sua e dos outros que Anna soube ter sido a escolhida para herdar o tal relógio de família - ela deixara escrito. 
Até que ele não ficava mal ali. Era uma peça imponente, cujo coração não falhava nunca, como lhe dissera a velha, ao se referir a ele. 
-Jamais atrasa minha filha, a não ser naquela semana em que o finado...
E lá vinha uma história daquelas que só quem tem fé acredita. A viúva tinha fé. Jurava que o relógio, herança  deixada por sua mãe, nunca havia atrasado a não ser quando seu marido morreu. 
- Este holandes tem bom coração. Mais forte do que o do meu marido. 
Mais forte até do que o dela, da velha senhora que se fora recentemente. Não era sua mãe, apenas a tratava de filha, de vez em quando. Era modo de falar, pensou. Ela não tinha motivo para gostar de mim, mais do que eu dela e afinal, pouco tempo convivemos, apenas nos últimos dois anos depois que vim de São Paulo para cá. 
Está certo que viam-se muito, quase todo final de semana, pois assim estava acostumada aquela família - a reunir-se para tomar lanche aos domingos, para falar de bobagens ou da vida alheia. Até em dias de semana acontecia de vir alguém para um cafezinho. Disso ela gostava muito e depois que a velha ficara doente, ia visitá-la para este rápido cafezinho, uma vez ou outra. Foi numa destas idas nos finais de tarde, que se apercebera de que gostava do jeito carinhoso da velha falar consigo e principalmente de mostrar que estava disponível para ouvir. Ela, no entanto, não falara nada, pelo menos nada de muito íntimo, nenhuma confissão ou confidência, embora tivesse sentido vontade uma única vez. Controlou-se a tempo, no que fez bem porque não sabia até que ponto teria ido. Melhor então ficar quieta. E a velha tinha sido a primeira pessoa que a deixara à vontade para ficar quieta,mesmo estando presente. O silêncio para elas não era sinal de solidão. 
Por vezes a calma no coração de Anna era abalada, como um lago tranquilo cortado pelo risco espumante e claro de uma lancha veloz, quando ouvia uma revelação. E revelação era a verdade que sempre estivera lá, camuflada, e subitamente brilhava à luz do sol quase a ponto de cegar a visão. Como naquele dia em que ia ajudando a limpar a mesa suja de café por uma mão trêmula que o servia e ouviu: 
- A velhice chega para todas nós que permanecemos aqui!
Tinha sido difícil acostumar-se naquela cidade interiorana, onde muitos sabiam da vida de quase todos. Cidade de vida simples, poucas academias, apenas um teatro e um único Shopping Center. Isto foi no início  
  porque logo ela descobriu a praça e os recantos à beira do rio, lugares para onde ela gostava de ir para ler e relaxar. Já estava mesmo cansada daquela correria da cidade grande, sentia-se meio deslocada como aquele pêndulo, como um coração que teme ser grande demais para a máquina que o contém.
  Olhou mais uma vez para o relógio. Se ela fizera companhia à D. Mariane foi por amor ao marido e solidariedade a uma mulher que a fazia sentir-se bem. Então porque o presente ? perguntou a si  mesma, desconfiada que era, por não ser muito habituada a demonstrações de afeto desinteressadas. E seria mesmo um presente aquele que, em sua parede marcaria sem parar a passagem do tempo e lhe lembraria da resistência, quando ela por vezes pensava em desistir? Talvez aquela velha fosse mais esperta que ingênua...
   Virou de costas decidida a ir tomar um cafezinho na cozinha. Nos ouvidos ficara o recado, o tic tac do relógio, o som que não falhava e fazia o que tinha de ser feito, marcando os passos do tempo...
Texto : Vera Alvarenga
Foto retirada do Google.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O telefonema

  Estava passando, distraída, ao lado do telefone, quando algo acordou-me do tédio que não costumava sentir, mas agora me visita. Telefonei. Ninguém imagina como me custa fazer um telefonema. Telefonar foi um hábito que não criei. Foi uma conversa rápida. Apesar do assunto, ao final terminamos sorrindo como geralmente terminam as conversas de pessoas que se ouvem e se gostam. Do outro lado, alguém de quem gosto bastante contou-me, entre outras coisas, que uma tia distante morreu.
  A tia era bastante idosa e sua morte fora prevista várias vezes, com direito à visita e preocupação , por um ou outro parente. A todos porém, e à própria iminência da morte, a senhora idosa havia enganado. Alguns familiares mais jovens foram-se antes dela que, teimosa, permaneceu por quanto tempo ainda quis. Contudo, ela agora se fora. E como em outros casos, talvez a morte já esperada, não se tenha tornado o personagem mais importante desta história, mas sim, os figurantes que trazia consigo, o cenário que deixava à mostra, o que fazia refletir sobre a vida. Como por exemplo quando marcava um encontro de familiares que já não tinham mais nada a ver uns com os outros, se a amizade houvesse se acabado.Talvez o sentimento nem tivesse resistido verdadeiramente, também em relação àquela que acabara de morrer, por todas as vezes que alguém se sentiu como que traído pelos falsos anúncios daquela visita, que mais dia menos dia, bate à porta de cada um de nós, mas se demorava a levar a velha. Ela enfim, se foi. Quem sabe cansou ou se encheu de tédio.
  Tédio não faz bem, engorda, prejudica o coração e tira o gosto doce da vida. Tédio, o companheiro dos solitários, dos que vivem silenciosamente ou dos que, na ausência do sentimento recíproco de amizade, perderam o caminho que os levava aos momentos mais espontâneos, simples e vívidos que animam o viver. Mesmo que gostemos de nossos momentos de solidão, tem gente que se perde um pouco, se não conseguir ver-se refletido nos olhos de outro. Não é certo nem errado, apenas existe gente que é assim. Evidentemente, sempre há os que digam : - Que se encontre então! Que se salve e por si mesmo descubra a vida! Seria o ideal. Ideal, é quando a razão pensa que sabe o que fazer, mas o resto não acompanha.
Só sei que, quando desliguei o telefone, estava sentindo-me mais viva.
   Incrível o poder que tem uma rápida conversa entre amigos que se gostam. O poder de desatar os nós, até das tramas mais enroscadas de um casulo. Mesmo daquele em que se esconda o mais tímido e comodista animalzinho. Não é culpa de ninguém, nem minha porque conto esta história, eu, que gosto de casulos apenas para me aconchegar. Nem é culpa de quem, já sendo dado à quietude e, ainda mais, não tendo com quem conversar suas próprias falas além de ouvir as do outro, acaba por penetrar no casulo que, se algumas vezes aconchega, ao mesmo tempo, aquieta em demasia.
   Lembrei-me de um amigo com quem conversava de vez em quando. Para mim, era algo raro e precioso a que me permiti. E conversávamos pouco, coisas tolas ou importantes. A gente tem necessidade de ter alguém com quem possa conversar coisas simples, comentar sobre nossos pequenos desejos ou iniciativas que planejamos ter, contar pequenas vantagens. Um amigo que acredite em nós e nos ouça, só por isto nos encoraja e anima. Eu, que por muito tempo pensei que amizade fosse algo precioso mas secundário se não viesse junto daquilo que tivéssemos julgado ser o maior objetivo de nossa vida, hoje sei que não é bem assim.Tenho certeza disto. Hoje me falta o amigo. E ele, apenas por existir, me animava. E quando a gente se anima, acredita em si, faz planos.
A vida passa tão rapidamente. Dura tão pouco! Quanto tempo dura a vida quando se pensa na eternidade? A vida é um bem precioso. Um bom amigo também. Sinto muita falta.   
   Mas tenho a vida. Ouço a voz que conversa comigo. Ainda sou eu, ela dentro de mim, a me fazer companhia. E ela me sacode às vezes, me compreende outras, porque me conhece, me abraça e concorda comigo quando penso que tem de haver alguém superior a nós, a nos dar um sentido maior, a nos consolar quando descobrimos nossas fraquezas. E, de vez em quando ela me convida... – Vem, passa um baton, vamos sair um pouco deste casulo! Eu te faço companhia...  
Foto retirada do Google
Texto:Vera Alvarenga 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sensibilidade, razão e saudade...

  Às vezes bate uma saudade e sinto uma enorme vontade de abraçá-lo. E abraçá-lo, eu penso, do modo como jamais o abracei. Do jeito que a gente sempre sonha abraçar aquele que a gente ama. Sabe como é, não é?
 Quantas vezes imaginamos estar com alguém e, sem precisar dizer muitas palavras, compreender que muito já está subentendido e, com um abraço selar um acordo íntimo de cuidado e confiança eternos. Quem não sonha com este tipo de encontro onde  desprendimento e comprometimento não se fazem contraditórios, mas complementares? Algo como se as almas tivessem finalmente se encontrado...
   Ah! nossa! quão delicado e profundo pode ser o sentimento de que somos capazes quando estamos apenas a vislumbrar o encontro, seja com um filho, um amigo ou a pessoa por quem estamos ou estivemos apaixonados.
   E quantas vezes nos acontece que, ao estarmos diante daquela pessoa nos toma, de corpo inteiro, uma inércia desconcertante. E esta, é filha da dúvida entre o desejo de demonstrar espontâneamente o carinho que queríamos dar( ou trocar), e o conjunto de crenças ou afirmações que tantas vezes ouvimos - "é preciso respeitar o momento do outro", "não podemos apenas pensar no que desejamos mas nos perguntar se o outro o deseja também", "demonstrações de afeto não esperadas podem fazer o outro sentir-se invadido" ( ainda mais no tempo em que as pessoas se habituaram a manter-se resguardadas, isoladas do outro e a verdadeira "intimidade" não é muito bem vinda, a menos que seja através dos toques em um teclado). Evidentemente são regras do bem viver. E necessárias, sem sombra de dúvidas! Eu mesma hoje, sou assim - sei que aquilo que sentimos e tem um toque de divino e verdadeiro, é diferente do que podemos transformar em gesto real. Sei que nem tudo que parece ser, é. Somos seres humanos racionais e deve fazer parte de nosso desenvolvimento, o saber controlar desejos e impulsos, o aprender que a vida é feita de frustrações e alguns momentos de felicidade ( por isto mesmo, também é melhor evitar nos apegar ao que pode ser colocado apenas em palavras e jamais em gestos).
   E sendo assim, não estando mais presente, onde estiveres, certamente não recebes nem precisas de meu abraço, penso eu. Quantas léguas me separam de onde estás agora?
  Ao pensar nisto a saudade fica mais forte, mas hoje, já sei como estancar o sentimento como aquele que impede que o corpo se veja inteiramente tomado. E é preciso fazê-lo antes que se torne quase insuportável, porque então, ia doer. E só masoquistas precisam sofrer, diz mais uma crença. O melhor é apenas lembrar, sorrir, deixar ficar e seguir. Então, acalmo meu coração, viro as costas e saio... livre, agora, de tua lembrança...
  - Hei! Espere ai! Quem é que disse que viver é fazer de conta que nada sentimos? E que todos estes pensamentos e sentimentos contraditórios de um mundo que mal conheço e pelo qual minhas pernas mal caminharam, podem me roubar assim, tão totalmente de mim ( daquilo que acreditava) ? Penso, logo existo? Creio, logo sou! Ah, como sou terrivelmente influenciável e fraca neste ponto! Traí a mim mesma mais do que a estranhos.
  Decidida volto então a buscar-te em minha lembrança, porque viver é lembrar também. Descuido da razão. Escolho minha sensibilidade. Procuro tua face e cara a cara te digo que, neste momento em que quero ser fiel a mim mesma, não importa teu silêncio, a distância ou mesmo tuas escolhas. Coloco em prática o gesto que aprendi... ( Psiu! ninguém vai saber e só quem crê, sem soberba, poderia compreender...) e na calma do meu coração me coloco como em meditação, e para ti envio o melhor de um singelo e forte sentimento envolto em luz azul, junto com meu carinho, desejo que fiques bem e que Deus esteja contigo. Neste momento tenho asas e é o melhor de mim que vai em tua direção. Pronto, feito!
   Mas, um minuto após este doce instante de meditação, guardo meu espírito e minha viola no saco, no mesmo instante em que, sem nenhuma razão, passa por meu corpo e minha vontade um pensamento furtivo...
  - Ah! tivesse o destino permitido que ainda houvesse tempo para que tudo pudesse ter sido mais concreto, como ainda sou...
   
Texto e foto: Vera Alvarenga:
  

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Um sentido para a vida...

   Diante da morte, quando perdemos alguém que amávamos, difícil seria não pensarmos, de uma forma ou outra, no sentido da vida, desta que aqui conhecemos. Não só da morte, mas do espanto. Quando estamos em um dos extremos, a morte ou o que nos cause espanto pela visão de algo incrivelmente belo da natureza, pensamos na existência de Deus. Pensamos ou sentimos. Mais sentimos do que pensamos...
   E nestes momentos, as discussões filosóficas e religiosas não nos consolam, mas nos mostram como, há milhares de anos, buscamos o sentido maior das coisas. Tudo e a única coisa que traz consolo diante do nosso medo e espanto é a fé. E tudo porque temos medo. Se o medo nos leva a Deus, se muitos dizem que se não houvesse o diabo, o medo e a dor, não iríamos tão ansiosamente em busca do nosso Deus que nos salve e justifique tudo o que nos parece sem nenhum sentido, como a morte de um filho ou outro ser amado, também o belo nos leva até Ele.
   Porque certamente conhecemos, de nosso futuro, o que mais nos assusta - que morreremos brevemente - temos o medo, o medo da dor, e mais ainda o medo do vazio, da perda de sentido para o que somos, o que vivemos e a própria vida, em si mesma.
   É por isto que diante da guerra, das atrocidades, das calamidades, das tragédias precisamos do consolo da fé. Mas também quando temos um daqueles momentos de espanto e admiração diante de uma flor ou da magia e encanto da enorme variedade de fragrâncias, formas e cores de tantas delas, ou ainda diante de uma paisagem como fiordes, ou simplesmente árvores e um cisne refletidos em um maravilhoso lago ao por do sol alaranjado, pensamos que a existência de um Deus de todos os deuses, o único verdadeiro, tem de ser inevitável. E que seja uma certeza, para nossa sorte. E que não seja um Deus apenas energia, mas um que pensa, nos vê e nos ama. Só isto nos consolaria e justificaria a vida e a morte. Só a fé neste Deus inexplicável mas real, silencioso mas presente, que não interfere mas nos ama e conhece o que está por trás de tudo, nos consolaria diante do anseio por sentido, do nosso desejo de que toda a cor e tudo o que existe de bom e extremamente belo deste lado, seja apenas um reflexo das possibilidades que há no pensamento Dele e em sua criação, e do que possa existir lá, onde Ele não se materializa no mundo de opostos, mas é tudo, sem começo nem fim. Pensar que somos parte dele e que, aquilo que criamos aqui pode ser um reflexo infinitamente menor do que são as possibilidades nele, nos devolveria uma gota de grandeza e de humildade. Mais uma vez dois opostos pois somos hummanos e este é o nosso mundo.
    Só diante de um Deus de amor e verdadeiro podemos entregar nossos filhos e nossos amados... e a Ele, daríamos graças por todo o belo e bem que é possível...

Texto em solidariedade aos pais, familiares e amigos dos 236 jovens mortos no incêndio deste final de semana numa boate no Rio Grande do Sul, e para todos que pranteiam seus entes queridos sem ter ainda encontrado consolo.
Vera Alvarenga. 

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