domingo, 22 de julho de 2012

Levando tombos...

   No inverno, e quando se mora em apartamento, é preciso sair um pouco para caminhar e melhor, quando se pode aquecer ao sol. É o que fazemos aos domingos. Claro que preferiria ir ao Parque Ibirapuera, caminhar entre as árvores, ao lado do lago... mas, é tão difícil estacionar por lá, então, uma grande volta no quarteirão já tá de bom tamanho.
  No caminho da volta, a rua é toda arborizada. Agradável de se andar nela, não na calçada, que a cada laje de concreto de um metro há duas canaletas de uns 15 cm., uma próxima da outra, que atrapalham bastante o caminhar. É necessário andar olhando para o chão para não se torcer o pé. Sabendo disto, costumo ser atenta.
  Geralmente venho pela rua e só entro na calçada quando a rua se estreita por conta dos carros estacionados. Hoje, me distraí. Vinha vindo tranquila, com minha câmera pendurada no ombro enquanto um lindo cão preto vinha do outro lado da rua e eu, por um segundo olhei para ele. Já tinha dado uma daquelas espiadas rápidas para reconhecer o terreno à frente, já tinha visto que havia uma placa de cimento um pouco levantada, mas não imaginava que logo após havia uma canaleta sem terra, buraco no qual a ponta do meu tênis enfiou-se, prendeu-se e me levou ao desequilíbrio, em seguida, ao chão.
  Tive consciência de que num milésimo de segundo estaria estatelada na calçada, mesmo assim, deu tempo de puxar a câmera fotográfica tentando protegê-la, depois, mãos para frente e plunft ! Já era. Lá estava eu com dor nos joelhos e mãos, esparramada na calçada.
  Recebi pronta ajuda de quem estava comigo- a mão estendida para me ajudar a levantar. Que bom!
  - Detesto andar nesta calçada com todos estes buracos! Desabafar me fez bem, naquela situação.
  - Mas aqui não tem nada, foi falta de atenção! Ouvir isto me fez mal.
  - Claro que tem, olha ali onde enfiei meu pé! Meu tênis com a ponta esfolada também comprovava. Pronto, lá estava eu sentada na calçada, tentando explicar. Queria que ele tivesse conseguido ficar calado, embora não tivesse sido o culpado do meu tombo. Por que há pessoas que nos chamam a atenção quando a gente ainda está estatelada no chão?
  - Ela está bem? A mulher na calçada em frente lhe perguntou. E, simpática, olhando pra mim : - Você se machucou? Ah! que frase maravilhosa de se ouvir numa situação daquelas.
  - Não, obrigada. Só o susto. E é desagradável cair na rua, não é? Sorrimos, uma para a outra.
  Claro, é desagradável cair em qualquer lugar, mas em público e numa calçada áspera, mais ainda.
  O homem com o cachorro, andando mais depressa, já ia longe a cuidar da própria vida.
  Interrompi os resmungos do meu companheiro de caminhada. Sim, eu sabia que tinha sido culpa de minha falta de atenção, embora nem estivesse tão distraída assim buscando o que fotografar, como ele dissera. Apenas não queria ficar olhando sempre para o chão!
 - Por que você não me perguntou se eu me machuquei?
 - Porque eu me assustei!
 Eu também tinha me assustado! Então, éramos dois. Contudo, fora joelhos e mão ralados, roupa, câmera e tudo o mais estavam bem. Maravilha, não torci o pé. Apesar do tombo, tive sorte.
 Lembrei de quando uma criança cai ao nosso lado e a gente logo vai atender, e para sermos solidárias, brigamos com a porcaria da calçada que a fez cair! Cumplicidade faz bem. Logo depois a gente ensina que é preciso mais cuidado. Bom ser criança... Mas, talvez, quando o susto é grande, por vezes a gente acabe por querer ensinar o outro a se proteger, naquele exato momento em que bastava o apoio... sei lá. Isto não é necessariamente falta de carinho. Acho que depende do momento, e depende de cada um.
  Interessante perceber o que fazemos quando nos assustamos e não temos tempo para pensar.
  E interessante lembrar que, mesmo sendo adultos, quando menos esperamos, podemos cair no chão, na calçada, da pose. Melhor na calçada do que por uma rasteira na vida. E sempre se aprende... se você quer fotografar, se distrair ou levantar a cabeça em sua caminhada, vá em seu ritmo, com cuidado, devagar... e se cair, o jeito é levantar, sacudir a poeira e seguir em frente. 
Texto: Vera Alvarenga
Foto: retirada do Google.
  

sábado, 7 de julho de 2012

Hábitos ...

  Um barulho qualquer o acordou. Não aquele tipo de barulho que por anos e anos ouvira logo cedo. Sua rotina havia mudado, e muito. E nesta manhã estava num hotel, numa cidade pequena, mais uma vez, apenas de passagem.
De qualquer modo, ao abrir os olhos, deslumbrou-se.
Havia uma pequenina fresta na janela. Alguém a esquecera de fechar, o que lhe passara desapercebido na noite anterior, quando chegara bastante cansado. Ele, há anos, estava acostumado com o ar condicionado dos hotéis e as pesadas cortinas que tudo escurecem. Ali, a cortina  era leve e, entreaberta, deixava passar a luz que já furtivamente entrava.
Como uma fenda num vestido de mulher, que deixava a beleza apenas insinuar-se com seus mistérios, o que passava pela fresta era apenas um feixe de luz, mas iluminava de dourado o espaço, deixando antever a promessa do outro lado. Música silenciosa, a luz fazia dançarem partículas infinitamente minúsculas de poeira, como se elas pudessem conter energia própria, como se fossem seres iluminados. Aquela imagem lhe trazia lembranças antigas, de um tempo por demais longínquo, no qual a simplicidade de certos hábitos   inundavam de alegria ingênua vida. Fechou os olhos. Foi bom lembrar. A sensação era boa. Abriu-os, e em seguida, levantou-se.
Foi à janela. Escancarou-a num só gesto, como quem quer desvendar segredos ou possuir toda a luz. Mais que penetrá-la, queria absorvê-la, tê-la dentro de si, preencher com ela o espaço vazio. Sentia-se estranhamente leve como aquelas partículas douradas recém vistas. Lembrou-se de uma amiga que uma vez lhe falou sobre esta leveza, que ela mesma sentia ao deparar-se com a luz, pela manhã, em sua janela. Sorriu. Lá fora, tudo estava aceso e parecia convidá-lo a sorrir.
Durante o rápido banho, lembrou-se daquela mulher que se apaixonara por ele. Na ocasião confessou-lhe que sentia-se leve a ponto de quase voar, quando ele a chamava pelas manhãs para conversarem. Ela o havia comparado a um raio de sol.
Ah, mulheres... São doces, quando apaixonadas! Delicadas e frágeis. Muitas vezes, tolamente ingênuas, excessivamente românticas. Dizem que depois de amar sentem-se flutuar. E gostam disto. Talvez por isto façam do amor algo que se mistura facilmente ao sexo, aos gestos, ao desejo de entrega. Ele, gostava de manter pés firmes no chão.
Algumas lembranças o acompanharam durante o banho. Não teve tanta pressa como era habitual. Deu-se conta que agora, era dono de seu tempo. Sorriu.  Ao sair, o leve perfume do sabonete estava entranhado na pele. Não gostava de perfume, isto era algo que apreciava sentir numa mulher e, claro, na proporção certa. Contudo, este não era excessivo, sairia logo, tudo bem. Colocou sua loção preferida, quase sem cheiro, que sempre levava em viagem, para suavizar a pele após fazer a barba cerrada. Homem tinha de ter cheiro, não perfume. Num instante, já descia com sua pasta para o café e em seguida sairia para o que tinha de ser feito. Sentia-se, no entanto, mais vivo e melhor que nos últimos dias. Isto inspirou-lhe uma idéia.
No corredor, ao cruzar com outro empresário, hóspede como ele, deu-se conta de uma sutil diferença no próprio andar. Que era aquilo? Estava leve demais! A isto não estava habituado e por certo, não lhe cairia bem... Pigarreou. Franziu a testa, pegou o celular para tratar de algum assunto importante. Qual seria? Não importa...encontraria um. Apressou então o passo, e pisou mais firme no chão, como de costume.

Texto: Vera Alvarenga
Foto retirada do Google imagens
  

domingo, 1 de julho de 2012

Pra você, esta foto e meu carinho...

Muito já se falou a respeito de amigos e quão diferentes podem ser. Dizem que temos um para cada fase de nossa vida, alguns que ficam, outros que se vão.
Hoje, quis me dar um presente e decidi ter coragem para dirigir até o parque Ibirapuera, a fim de tirar fotos. Queria captar a luz do final da tarde e fotografar à contra luz. Levei meia hora só para conseguir estacionar. Após alguma caminhada e poucas fotos, minha máquina travou, avisando que eu precisava formatar o cartão de memória - era novo. Bem quando o sol dourava o lago! Então, tive de voltar!
Contudo, entre a chegada e o problema com a máquina, recebi um telefonema de uma amiga que gosto muito, desde quando tivemos nossos primeiros contatos. Ela tem uma experiência de vida totalmente diferente da minha. Inteligente, já encarou problemas difíceis que lhe exigiram atitude firme e coragem tanto em sua profissão, quanto na vida particular, mas não é pretensiosa e não pensa que tem as respostas para tudo. Deste modo, não nos sentimos encabuladas por ser o que somos, cada uma de nós, pois sabemos que ambas temos nossos valores. Encontrar momentos de tal interação respeitosa e cuidadosa num relacionamento é algo mais fácil de se dizer, como é moda hoje em dia, do que de se encontrar de verdade. Confesso que, ultimamente, ela e outro amigo foram os raros tesouros que encontrei neste nível e deles, meu coração será para sempre cativo ( mesmo que a amizade não seja para sempre, já que eu mesma detestaria me ver limitada pela "obrigação" de uma eternidade, o sentimento será).
 Ás vezes, com aquele seu jeito de contar as coisas sem dizer realmente com toda a clareza, ela fala comigo e não entendo tudo o que quer dizer. Mas não me importo, e ela também não. Eu pergunto, ela ri e explica, ou então, "deixo por entendido" aquilo que careceria de explicação, quando percebo que o mais importante é traduzir os sentimentos e não o significado de cada palavra. Penso que nosso "encontro" se dá em outro nível - o de um bem querer sincero como o de duas crianças que apenas brincam juntas e se aceitam como são. Nos aceitamos como somos. Ela me colocou um apelido com o qual me chama, algumas vezes, caçoando carinhosamente da minha ingenuidade, a qual aceita e crê, porque pressente que é real.  E por isto, ela me fez lembrar hoje, desta parte de mim mais singela, doce e terna. Me fez lembrar de como raramente podemos deixar estas nossas características virem à tona, sem que tenhamos de dar explicações ou camuflá-las, sem que pensemos que precisamos nos proteger. É muito raro termos tal liberdade, pois a maior parte das pessoas está sempre a comparar-se e a comparar-nos com outras, ou a dizer como seríamos mais "aceitáveis" e simpáticos se agíssemos dentro de determinados padrões, que nem sempre seguem os nossos padrões de valoração da vida.
  Enfim, para ela e todos que consigam aceitar alguém como ele é, e quando discorde dele consiga fazê-lo com o cuidado e respeito que os relacionamentos e as pessoas merecem, dedico esta foto, simbolizando o  encontro de duas pessoas sob o reflexo de tal amizade que proporciona momentos de ouro.
  Minha alma, quando se encontra com a sua, fica em paz. Namastê.


Foto e texto : Vera Alvarenga

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O medo, escondido...

 Caminhava, distraída, com um pensamento que lhe marcava com mais rugas, o rosto. Havia falado disto, um dia antes, com uma amiga a quem confessara sua covardia.
- Por que este medo? Sentir medo era algo bom, assim considerava, pois com ele sabia seus limites. Mas, e este medo de não sei quê ?! Esta insegurança que vinha sorrateira apertando no peito o coração, espremido, confuso...
- Por que, se tudo parece finalmente entrar nos eixos? Impossível lidar com um medo que vinha, não como aliado, mas como inimigo camuflado. Tentara fazer de conta que não existia. Ignorá-lo, durante o dia era fácil, mas à noite, logo após deitar-se, quando vinha das entranhas e subia pela coluna, com um arrepio nas costas, era outra história. Como encarar de frente o medo, se ele não tinha cara? 
O amor é verbo, o melhor do amor é amar, pensava, enquanto lembrava que eles tinham tido uma longa história de amor. Não ela e o medo. Ela e o homem, cuja mão puxava e colocava no peito, cujo corpo usava de escudo para proteger-se daquele frio. Talvez fosse o inverno a gelar os lençóis... não, não era. Era um medo, nem sabia de que, que só passava com o calor dele e a mão a apertar-lhe levemente o seio como a dizer-lhe :
- Pronto, estamos juntos. Ao que seu coração respondia - Agora, estamos bem. 
O medo assim, sem nome ou personalidade, nem razão aparente, não tinha nem mesmo caráter embora caracterizado. Despia-se de importância. Pareceria tolo como o ator principal que entrasse em cenário desconhecido, num palco pouco iluminado e quisesse interpretar seu papel para um público inexistente. Entretanto havia um público - e era ela! Ela estava ali,assistia o drama, e era também o cenário e o palco,  e o próprio ator com seu tema, e as emoções que rolavam no ato. Não, não era uma tolice! Era forte e vivo este personagem sem rosto.
Seus pensamentos quebraram-se com o susto - o som alto da sirene de uma ambulância que vinha de trás de si, na rua. 
- Pobre de quem está ali, pensou. Este sim, com sua vida ameaçada, tem motivos para estar com medo. Não eu, que apenas descubro minha covardia....
  E a ambulância parecia voar, perto, bem perto... E então ela percebeu, claramente. Um choque. Foi a ambulância que bateu em seu corpo ou a verdade que esbofeteou-a na cara, ofendida com sua insensibilidade? Logo ela, tão sensível e vulnerável ao sofrimento alheio que precisava usar uma couraça, por vezes, para proteger-se. Ela, cujo corpo sentia tão facilmente a dor que, há tempos, insensibilizou-se.  
- Insensível! ouviu o grito de dentro de si mesma. 
E então, ela recordou e sentiu o mesmo que antes. Sentiu a vida esvaindo-se de si mesma. A alegria, a ternura, tudo indo embora. De tudo que vivera, de tudo o que era, nada restaria diante da ameaça sofrida. Apenas, por momentos, a dor  e a angústia do morrer. Corpo e alma debatendo-se pela sobrevivência. Como aquele que se afoga no oceano, não ela mas o verbo em si , estendeu as mãos, no último esforço, e agarrou-se ao apoio que o manteria à flor da água, até que pudesse respirar e recobrar forças. 
- Mulher ao mar! Gritou o verbo, na intenção de salvar a mulher. Nenhum barco ou salva-vidas, ninguém nem ao menos para compreender porque se debatia. À distância, e para poucos olhares, ela parecia apenas divertir-se na água rasa. Não era possível para eles compreenderem que ela lutava pela vida.
   Ah, o amor... Amor não é apenas sentir, é amar. Foi deste mesmo modo, que sua alma lutou quando sentiu que o amor de dentro de si, ameaçado, morria. Morriam os dois, ela e o verbo. E quem, diante da dor e da ameaça de morte não sentiria medo? Quem? 
  E quem era o algoz? Era ela, a insensível! A que não queria mais amar, sem saber que isto a mataria também. E o medo tinha de esconder-se de tão lógica criatura. E escondeu-se, bem nas entranhas...
 ...Foi quando viu o pássaro ferido a afogar-se naquele oceano de perda, dolorido como ela. E desejou salvá-lo. Descobriram que ainda tinham asas. Ela, vestida com toda a coragem do mundo, voou. E voaram até a praia e com simples gestos, salvaram um ao outro.   
   Já não sentia tanta dor. Estava apaixonada por um pássaro, ou era o efeito de uma droga alucinógena  que lhe tirava o sofrimento? Não importava, era bom. O amor era verbo e ela percebeu que ainda podia voltar a amar.... Mas isto foi há tanto tempo...onde estava o pássaro?  onde estava ela, agora? 
   Aquele medo, o pavor, o susto por ter a própria vida ameaçada, foram absorvidos pelo corpo, e ficaram lá, escondidos. O melhor do amor...é amar. E sua vida, que não fora em nada importante a não ser por poder amar, fora ameaçada de morte. Sua alma assim o fora. Por isto havia o medo, que escondido tinha perdido a forma, a cara, a razão, mesmo depois que ela acordou na praia. Ou será que foi no hospital, ou na calçada depois do susto? Não importava. Alguém, junto a si, lhe estendia a mão. E abraçou-a. Por algum motivo tivera medo de perdê-la. No início, ela não o reconheceu, embora o conhecesse há tanto tempo...durante o dia, alerta, olhava-o desconfiada... quem seria aquele? Seria confiável? À noite, quando tudo era paz, entregava-se ao destino que era dela e deixava-se aquecer por aquele sentimento.
   ... Ela entendia. Se ninguém mais a compreendesse, não faria diferença. Hoje, ela conhecera a cara do medo. Sabia porque ele tinha se escondido em suas costas. Após olharem-se um nos olhos do outro, andavam agora,lado a lado. Com sorte, a confiança sopraria uma brisa morna e ela não sentiria mais frio, se o tempo do verbo se mostrasse presente. Breve, talvez não sentisse mais medo. Aliás, nem fora ela que o sentira, pois que já havia desistido. Foram o amor e a alma, os que viviam dentro dela. Foi o verbo, que não quis morrer!
   Ela, por seu lado, não se julgava mais covarde. E ainda lhe restaria conjugar o verbo em todos os outros tempos...  
Texto e foto: Vera Alvarenga     
   

   
  

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Um, dois, três, quatro...


- Humm.. Não fique preocupado, me disse ela. E quem disse que eu estava? E não estou. Um... dois...tres...quatro...
- Hei, o que está fazendo, contando desenhos pela calçada?
- Não estava preocupado até ela me vir com aquela conversa. Não sou homem de me preocupar e não sou ansioso! Sou de fazer acontecer. Um, dois, três, quatro...O que estou contando agora, os meus passos? Só me faltava esta!
- É, o tempo passa. As coisas não acontecem mais como a gente quer, não podemos  ter tudo sob controle. Para um homem como você, é difícil, mas claro, a gente se acostuma.
- É claro que é difícil, mas consigo. Só não me preocupar e tudo dá certo. Um, dois, três...quanto tempo demora este farol para abrir?
- O que é difícil mesmo, é lembrar de investir prevendo a aposentadoria - estranha esta história - não ter mais uma meta para alcançar, desafio pra encarar, tempo para cumprir. Chegar lá, fazer o que tem pra ser feito e vencer! Já era. Agora, tem que usar outra tática.
- Ah! esta sensação boa de possuir o controle, está me escapando como.. como a fumaça daquele cigarro ali. Será que o cara não sabe o quanto faz mal aquele maldito vício? Sexo, também é um tipo de vício, como trabalho e poder. Humm..Talvez... Êpa! Ô cara! não respeita o pedestre? O farol já estava fechando!
- Calma aí! A gente precisa de foco. Ou talvez nem tanto foco, mas calma, isto sim.
- Ela vai compreender. As prioridades agora são outras. É bobagem dela. Não penso em mim o tempo todo, não. Ainda amo aquela mulher. E bem que penso nela, nas... Ôpa, desculpe, senhora! Que merda esta chuva. Quantos quarteirões andei? Um, dois, três...
- Ela também vai ter de se acostumar...outras prioridades...vamos ter de aprender a conversar..era o que ela queria, não era? Sermos mais íntimos, esta bobagem toda...
- Como é que a gente se torna mais íntimo do que éramos? Pode me dizer? Olha aí, agora todo mundo vai começar a abrir o guarda chuva..um, dois..tres...
- Agora, ela disse que não tem mais hábito de conversar com você. O que você queria?
- O que eu queria? O que quero! É que ela continue a me abraçar daquele jeito, que me fazia sentir que eu era o homem dela, o amor, tudo!
- Acho que...
- Cala a boca! Vou ficar paranóico! Não quero me preocupar e você não me deixa pensar em outra coisa! Sempre fui homem de ação, não de preocupação! Pronto, só subir a escada e cheguei. Um, dois, três, quatro.

sábado, 2 de junho de 2012

Estrelas no mar...

Naquele tempo, ela caminhava na praia deserta.
Trazidas pela maré, um dia chegaram palavras, resposta ao desejo que lançara ao mar. E outro dia, o barco, e nele o pescador, e ao redor dele, as gaivotas. Eram dias como aqueles em que o brilho do sol aquece a alma e desenha estrelas no mar.
Longe vai este dia...
Agora, alguns habitantes da ilha voltavam. Voltavam um pouco vazios do que tinham sido, voltavam ligeiramente transformados, envelhecidos ou cansados, emoções à mostra como se isto, agora então, valesse a pena. Mas as dela, como gaivotas voaram para detrás daquelas pedras e ela as perdia de vista, por dias e dias, perdida que estava daquela visão de estrelas no mar...
A volta viera como a maré cheia que a despeito do que seria natural a seu tempo, retarda. Contudo, mesmo assim, ao vir finalmente é real e traz junto seja lá o que o mar lhe tenha para dar. Estranho ver no outro e só agora, a compreensão para si mesmo, do muito que ela tinha sido e não compreendida. Mas o tempo muda tudo, algumas coisas trocaram de lugar! Tivesse tido ela ainda mais paciência, e seu coração não teria batido desigual. Impossível, contudo, que não reconhecesse que a ilha não era mais deserta!
Já não olha mais para o horizonte distante, nem espera ver o barco, porque em vão e por longo tempo tinha esperado seu retorno.
Colhe os frutos da ilha. Morde-os.Se alimenta deles como quem quer, com sua polpa madura, preencher-se do seu gosto, da sua materialidade. Ela mesma talvez queira mais concretude. Cobrir sua doçura com casca resistente.
Caminha. Seus passos ficam marcados mais fundo na areia, pois que já não pode flutuar como antes. Sente o real e caminha em paz consigo sob o peso de si mesma. Senta-se sob a sombra dos coqueiros. Já não fecha os olhos para sonhar. Perdeu asas, mas recuperou uma visão mais adequada à luz do local. E olha, e vê a paisagem, e admira as aves e o colorido daquele paraíso alcançável. É paraíso,não é?

Por vezes, porém, ainda deseja e o coração trai esta mulher compenetrada, séria e macia...e então, ao caminhar na areia, por culpa da brisa que vem lhe beijar, quase se deixa levar. Olha para o mar, de propósito afunda os pés na areia... mas a ave dourada que hoje habita somente em seu coração busca com o olhar, as estrelas, os sinais, as palavras, e ela sente no peito o leve tremor de suas asas, e cala o canto que não será ouvido.
Fotos e texto: Vera Alvarenga
E por falar em coração batendo desigual... a música Trem do Pantanal com Almir Sater vai bem...

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Amor tatuado no corpo.

   Estava tão quieta que não seria notada se não fora porque a outra, em frente à doutora, neste momento falara algo sobre ela. Permanecia, ultimamente, quieta e um tanto distante, mas ouvia as duas mulheres experientes a falar sobre a vida que era mesmo assim, o sexo que era bom, o tempo implacável e os homens. Assuntos complexos  resumidos em pouquíssimas palavras. Finalmente a outra voltou ao principal - ela. Afinal tinham ido lá, em parte, por causa dela. Antes, nunca tinha sido um problema, mas agora, era. Antes, todos os hormônios pareciam adequados ao que dela se esperava. Ela, agora parecia rebelde. Por que demorava compreender que um dia, de repente, tudo acaba? Não, não precisava ser de repente, como um corte, um abismo ou a morte!
   Para ela, sempre haveriam pontes a se atravessar mesmo a passos lentos, e processos em transformação com infinitas possibilidades antes de se considerar que uma moeda só teria dois lados, mesmo porque não tem. Teimava em não deixar-se surpreender apenas pelos opostos absolutos - o branco ou o preto, o sim ou o não, o pecador ou o santo, o céu ou o inferno - e há muito sabia não pertencer ao grupo dos que são capazes de fingir que dançam num mesmo ritmo o tempo todo, ao som da mesma canção, como bonecos movidos à corda, aprisionados numa caixinha de música.
   A mulher, discretamente, falou dela um quase nada, embora o bastante, porque escolhera acertadamente as palavras que a descreviam com a importância que merecia. Falara, contudo, sem o entusiasmo com o qual teria gostado de ouvir alguém referir-se à parte mais feliz de si. O tom da conversa era pouco vibrante,como se  tivesse pudores ou receio de confidenciar à profissional, outra mulher, o quanto se orgulhava e tinha sido bom conviverem felizes por tanto tempo. Ignorando sua presença, as duas  falaram num tom nostálgico, como especulando sobre alguém que fora importante, deixaria saudades,  mas que, como todos já sabiam, era certo que logo não poderia estar mais ali.
   Mentira! ela estava, e bem viva! Mas continuava calada. Sentia vontade de gritar para que não a ignorassem como se nada fosse, pois ainda vivia! Ainda sonhava viver. Embora prevendo os dias contados, ninguém, nada, conseguira acabar com seu desejo de viver e ser. Ainda não. Como ser de outra forma, ela, que na outra, fora a amante?   
   Em segredo, apaixonada pela vida, flutuava nela sempre que o sentimento de amor tomava conta de si e o permitia. O amor, diziam, tinha diferentes modos de se fazer. Ela o sabia. Para ela, felicidade era amar e amar era fazer o outro feliz, e isto era possível de modos diferentes, com tantos infinitos detalhes e gestos, quantos fosse possível sua imaginação conceber. Mas... sentir-se amada, era uma outra coisa! Dependia do gesto do outro. E o amor não é apenas sentimento –  é ação, é verbo, e é assim que se pode recebê-lo. Se não for ação, aprisiona-se como o boneco que dança solitário numa caixa de música espelhada e fechada, ao som da canção que só ele pode ouvir. Sua memória trazia lembranças gravadas no corpo. Com seu homem, fazer amor tinha sido o modo habitual de sentir-se amada. Seus corpos foram o espaço sagrado onde ardia o fogo no ritual pelo qual ele se permitira deixar-se encantar. Nele, percebia o amor que dela recebia mais do que em todo o resto, fazendo deste o seu próprio gesto de amá-la.
   Como sentir o amor dele, agora? E, não podendo fazê-lo feliz como quando o mundo era, para ele, simplesmente branco no preto, precisava lembrar como novamente amar dos diferentes modos que antes pensava possíveis, antes de ser convencida do contrário. Na alma, escondidas, as cores do arco íris. No corpo, o branco e o preto, tatuados.
   Sentiu na boca da outra, que era a sua, o mesmo sorriso amarelo da  doutora que, cruel ou sabiamente, proferia a sentença, como se ela e o amor não estivessem presentes ali:
   - O tempo é implacável. E se ele diz que a chama não precisa mais arder deste modo, para que tanto hormônio? Melhor deixar o fogo se apagar lentamente - a vida é assim...
   E foram para casa juntas. Em sua rebeldia, ela ainda não se sentia velha para amar...
foto retirada do Google imagens.
Texto: Vera Alvarenga
  

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