domingo, 20 de março de 2011

Quanto precisaremos nos mutilar, ainda?

       Hoje, ao fazer um comentário no blog da amiga Jackie, pensei como, por tantas vezes, atrofiamos nosso crescimento como seres humanos, quando nos "enfaixamos" em busca de um ideal de perfeição (ditado por alguém,evidentemente) ou em outro sentido, quando usamos faixas como gesso,armaduras para nos proteger do "erro" ou da dor, causados pela própria aventura do viver.
     No site : www.portaldascuriosidades.com em 07-01-2006 há um post que conta que a professora Pam Cooper pesquisou por vários anos, até conseguir encontrar mulheres chinesas com pés enfaixados para entrevistar durante os anos 90. 
    Quando encontradas,estas mulheres contaram histórias de dor, mas algumas tinham também orgulho pela beleza que sentiam ter atingido. Tinha sido uma beleza, obviamente, definida por homens. ‘‘É assim em toda cultura’’, disse Cooper. ‘‘Há um padrão de beleza, e quem quer que esteja no poder passa a determiná-lo. E geralmente os homens estão no poder.’’ 
   Do site é também este trecho: "Mulheres que tiveram seus pés enfaixados pela maior parte de suas vidas foram chamadas a desenfaixá-los depois que os comunistas assumiram o poder e baniram o costume, em 1949. O que uma vez disseram que era bonito tornou-se tão ridicularizado quanto repulsivo. Mulheres que tinham suportado a dor para encaixar-se em ideais de beleza eram repentinamente objeto de escárnio — de novo pelos homens. Também nesse caso, as mulheres estavam em desvantagem". Algumas mulheres comentaram que não estavam no poder de decidir quando as enfaixaram, nem quando tiraram suas faixas.

  Não quero neste post me alongar mais neste costume antigo imposto às mulheres chinesas, e neste instante, me lembro que aqui mesmo no Brasil, temos jovens que se auto mutilam em nome de um padrão de beleza que querem alcançar, andam sobre saltos altíssimos e menininhas de menos de 7 anos que já começam a ser introduzidas neste costume de equilibrar-se em saltos, com sua coluna e ossos ainda em formação, quando o melhor seria deixarem-nas livres para correr,dançar e brincar, sem riscos desnecessários à saúde.
   Mais que isto, o que quero enfatizar desta vez aqui, é que nós todos, homens e mulheres, muitas vezes nos deixamos mutilar, ou mutilamos a parte de nós que é mais sensível, ingênua e crédula, a parte de nós que acredita que a vida vale a pena ser vivida em sua simplicidade. E esta é, sem dúvida, o que nos permite viver a aventura da vida, embora com responsabilidade, também com relativa liberdade - a liberdade de experimentar, e errar ou nos sujeitarmos ao julgamento de outros.
   Querer evitar erros, é elogiável, mas não podemos ser perfeitos o tempo todo, nem seguir sempre e conformados, com o comportamento que está "encaixado" no que outros esperam de nós. Então, quando a felicidade não está mais a nosso alcance porque estivemos tentando proteger a nós e aos outros de tudo que não fosse o desejável, e sentimos necessidade vital de mudar, pode nos parecer impossível. Ou nos sentimos culpados, ou temos de culpar o outro para justificar nossa escolha de abandonarmos um modo de viver que já não nos serve mais. Talvez estejamos, em algumas situações, "engessados" numa atitude que nos parece correta, mas que, olhada por outro ângulo, poderia mostrar-se como a imolação de um cordeiro gentil, nossa assim chamada "criança interior", mas que nada mais é do que nossa disposição corajosa e feliz que confiava na vida e no amor. E oferecemos nosso cordeiro a um deus vaidoso que quer controlar tudo e nos impedir de ser feliz, vivendo e deixando viver - este deus se alimenta da vaidade de ser perfeito e de ter sempre razão.
   Todo preconceito que mutila mulheres, crianças e os que estão em minoria deve servir para refletirmos sobre as mudanças que podemos fazer em nós mesmos, diante de nossa família, amigos, em nossos pequenos grupos, se sonhamos um mundo melhor. É com a coragem de nosso exemplo que nossos filhos terão a oportunidade de vislumbrarem também a felicidade para si, e esta pode estar numa maneira mais simples e justa de viver a vida.
Texto: Vera Alvarenga       partes em negrito, entre aspas, do site citado acima. 
Foto: retirada do google

segunda-feira, 14 de março de 2011

Você leu "Fábrica de Sonhos?"

"Oi, li seu livro "A fábrica de sonhos" e estou fazendo uma ficha literária. Preciso de seus dados biográficos e nomes de outras obras, por favor."
  Este foi o recado que acabo de ler no meu post :
O tempo, a mulher e o vento.
  Ah, vou confessar que foi inesperado, me deixou feliz e curiosa ao mesmo tempo.
  Inesperado porque já escrevi estes livros, que foram publicados pelas Ed. Paulinas, há muito tempo .. 1987, portanto 24 anos atrás! Uau! Quem será este Gustavo, alguém jovem que está fazendo faculdade de letras agora e pegou este livro de alguém mais velho?...hum..ou um amigo da Sissym ou da Valéria, para quem recentemente presenteei com os livros para darem a seus filhos? Ou alguém que era criança naquela época, leu um dos livros e agora me descobriu aqui no blog ou no dihitt? Fiquei curiosa e cliquei no nome dele(link) para responder, mas o link está indisponível...
   Contei aqui no blog, uma vez, que há pouco tempo, na praça onde vou todos os domingos,aqui em Sorocaba, existe o Projeto de Leitura Vai e Vem, onde a gente pega um livro para ler e devolve na semana seguinte. E lá encontrei, maravilhada e para surpresa minha, uma coletânea de pequenos contos com um de Ilka Brunilde  que foi minha professora há mais de 40 anos atrás! ela me incentivava a ser escritora. Bem, pensei nisto e queria responder ao Gustavo. Resolvi fazer este post, então, e pensei:
   Aqui vão meus emails para Gustavo ou quem quiser me dizer se leu e gostou do livro.
  mulhernaidademadura@gmail.com  ou  fotoseimagensdomeuolhar@gmail.com
  - Você, leu " Fábrica de Sonhos"? Vou gostar de saber.

segunda-feira, 7 de março de 2011

O tempo, a mulher e o vento...

O tempo, a mulher e o vento...
Olhava através da janela. As árvores, balançando loucamente seus galhos e folhas ao lado da casa, mostravam que a ventania  que estava prevista havia chegado. Ela já aprendera a notar seus sinais e tinha de se proteger, mas não o fez. Deixou vir...
Chegou, contudo, antes da hora! Olhou para dentro de si, a areia, as marcas. Alguém já dissera que o vento leva tudo, apaga as marcas, destrói castelos. Não faz mal! pensou. Não eram os castelos de areia que ela queria preservar, eram as marcas. Queria escrever uma história com elas, sob a areia, na terra sólida, na pedra.  Algumas marcas tinham sido feitas recentemente, palavras escritas "a dedo", escolhidas entre os sentimentos que vem para ficar.
Olhou novamente para fora. O tempo havia trazido o vento, que sacudiu tudo. Só folhas novas e vigorosas permaneciam no lugar. Em seu coração agora, o vento se acalmava. Depois que varreu a areia, deixou tudo igual - um deserto feito de pequeninas ondas brancas, sem nenhuma forma a se destacar, sem outra cor, só o puro branco e o azul do céu.
Queria sair ao vento e gritar:
- Então, era isto que queria? Depois de levantar poeira, misturar tudo, sacudir minha vida, era esta calmaria sem gosto, sem cheiro, perfeitamente asséptica que me enviaria nas mãos do tempo? Era isto que seu mensageiro tinha guardado pra mim? Foi você que o enviou, não foi? Venha você mesmo me dizer! Não vê que não posso ser como a terra infértil do deserto e fazer de conta que não fui fertilizada? Simplesmente não posso ser assim! Olhe pra mim! Sou toda carne e osso, pele permeável, contaminável, sinto o que me toca, sou real, dou frutos, me quebro, envergo, quase morro; o que apodrece em mim, descarto, cultivo o que traz sinal da vida... minhas marcas eu reconheço!
- Me responde, fala comigo! Não passe como se fosse apenas a brisa indiferente, depois de feito o estrago. Não foi o vento que o tempo trouxe, mas teu silêncio que doeu em mim. Fala comigo. Eu, ainda não estou morta!
Voltou seu olhar outra vez, para dentro de si. Nada podia fazer. Antes de abrir seus olhos porém, desejou ardentemente que ali pudesse ver o que, em seu coração, acreditava - o vento podia vir, misturar tudo, varrer lembranças, mas jamais apagaria algumas marcas e algumas raízes permaneceriam, da vida que recomeçaria dali, com a história que ainda seria escrita.
 E ela apenas podia desejar que não precisasse escrevê-la sozinha.

Texto : Vera Alvarenga
Foto: retirada do Google imagens  
   

sábado, 5 de março de 2011

Um oceano dentro do peito...

   Ao ouvir aquela música, todo aquele sentimento que ela pensou que já se tornara parte dela, de sua história, como algo que se assimila, se dissolve no sangue e se dilui pelas células, bateu forte no peito. Pulsava ainda vividamente, como se não houvesse perdido nada de si, como se tivesse vida própria, ou imprópria como era desde o começo!
  Colocou a mão no peito como se o pudesse conter, surpresa por ver que ainda estava inteiro. Como era possível isto? Agora, que tudo começava a ficar em paz, novamente, por que este sentimento ainda resistia? Porque permanecia dentro dela como tatuagem que entranha na pele e faz parte! Que teimosa agonia esta de permanecer vivo,mesmo que tímido,quando nada há que o alimente. Por que não conseguia esquecê-lo? O que ele representava? Já nada era mais em si mesmo, a não ser sinais, signos de uma linguagem, que algumas vezes ela quase cansou de interpretar. E era então, que ele a trazia de volta. A voz dele se fazia ventania e lhe desvendava pequenos tesouros, claras palavras que a deslumbravam e a prendiam ali naquele quase desértico sambaqui - ponto exato de intersecção entre duas histórias distintas, campo arqueológico em que ambos procuravam sinais de vida, que lhe dessem razão para uma outra, mais rica.
   Não conseguiu tocá-lo,embora ele tivesse dito que sim. Só ele a tocara, só ela se deixara tocar verdadeiramente, por todo este tempo? Exatamente um ano. Olhou para os lados. Ninguém ousaria supor adivinhar seus pensamentos. Como alguém podia fazer uma música falando de si, se nem a conhecia? Queria sair dali, mas a música a envolvia mais e mais.
   Tinham um jeito próprio de se tocar, de se abraçar...era como se algo dentro deles soubesse o caminho, apesar de tudo. Quando a dor de cada um se misturou com a letargia e tudo parecia se dissolver, foi que se encontraram. Uma vez, ele lhe disse que sentia sua falta, que ela se tornara real. Ele sempre fora real e ela  o ouvia chamar. Os céus sabiam que já estava na hora, os anjos eram testemunhas do quanto ela se surpreendeu ao perceber que, ao seu chamado, voltara a sonhar,desejar e respirar, porque vivia! Não soube como controlar a vida que assim nascia.
  Quando ele a abraçava com o seu olhar e lhe desejava um bom dia, tudo parecia ficar bem e ela esquecia de tudo que não era bom, e sorria, porque não precisava mais esconder a luz do sol que agora brilhava.
   Lembrou de quando morava à beira mar. Sentiu os pés na areia molhada.
   No horizonte, a lua nascendo, cheia, feminina, levantando-se do leito de seu amante-amigo que era dono de seu brilho, pois era para ele, só para ele, que ela ousava ainda brilhar.
  O mar estava em seus olhos, descia por suas faces, inundando seu peito, ou ela se afogava no mar? Ou seria a lua, que de saudade chorava?
Texto : Vera Alvarenga
Vídeo youtube.- David Gray cantando

sexta-feira, 4 de março de 2011

O grande o e pequeno silêncio...

 Ao ler um texto de Clarice Lispector, no qual ela fala de um grande silêncio,refleti sobre o como ele me afeta.
O grande silêncio? Sinto falta quando não o tenho! é nele que medito,renovo energias,sossego a alma e a mente curiosas. As respostas? Vem depois dele, ou apenas a tranquilidade do sentir-me novamente centrada. É o pequeno silêncio que hoje pode me incomodar- aquele que se mostra no virar das costas de quem se afasta, porque encerra o que poderia ser um diálogo. Mas me irrito comigo mesma, por não tê-lo ouvido há mais tempo, já que sempre esteve ali.
Mas o grande silêncio...este não temo! Eu, às vezes me assusto se logo após sair dele, me deparo com alguém em ritmo ansioso, que com voz de pedra esteja a cobrar algo que só lhe posso dar, se entro novamente no girar da pequena roda gigante do hamster ( sabe qual é? aquele brinquedinho que colocam na gaiola do ratinho, que gira e gira?). E hoje, quando isto acontece, num rápido instante me lembro que já sei o que fazer e ainda me dá tempo de marcar com ele, o silêncio, meu próximo encontro.

   Durante o grande silêncio da noite, olho ao meu lado e ao ver quem ali está, meu coração se enche de paz, porque neste silêncio nos encontramos e eu me lembro o quanto o amo e quanto o amei. 
   No grande silêncio da noite hoje, posso fechar os olhos e ver um rosto no sonho de amor que idealizei, que nada mais é do que um sonho, mas está na lembrança como algo que um dia já tenha vivido ou desejado tanto, que talvez ainda que seja em sonho, possa encontrar...
  
Texto e fotos : Vera Alvarenga

quinta-feira, 3 de março de 2011

Minhas mãos...

   Minhas mãos não são como "mãos de pianista", delicadas e elegantes com seus dedos longos e finos. Aliás, só toquei piano por poucos anos. Ao contrário, elas são pequenas, dedos largos, próprias do que sou - uma artesã. Já fiz muito com elas, como qualquer um de nós, nos dias rotineiros que tecem a vida.
  Com elas, acarinhei os que amava, cuidei deles e de mim, fiz curativos para eles e para mim mesma; com elas dei apoio e nelas me apoiei, mas também as estendi e busquei o braço do homem amado, para me sentir mais segura e evitar um tombo. Elas enxugaram lágrimas, de alguns poucos amigos, as minhas e as de meus filhos homens, quando pequeninos, e a eles ofereceram segurança nos primeiros passos. Com elas plantei minha primeira árvore, um Ipê, e depois muitas outras, e plantas e flores, e esparramei sementes...
   Segurando pincéis, com elas pintei um mundo novo em quadros e paredes. Com firmes toques numa máquina de escrever, daquelas antigas, escrevi meus primeiros livros infantis, que foram publicados. Juntando areia e água, construí castelos na areia, o que não me agradou, porque prefiro o que possa ter alguma permanência. Segurando uma pequena máquina à altura do meu curioso olhar, hoje, guardo para sempre o que me encanta, enquanto com um clic apenas, minhas mãos se tornam minhas cúmplices neste encantamento.
    Descobri que as mãos, além do mágico poder de criar, tem em si mais que isto, o poder de transformar, pois são feitas de modo que a tudo podem tocar e envolver. E seu toque pode transformar, dar nova vida! Trabalhei com elas tocando as pessoas com massagens terapêuticas, o que as ajudava a sentir seus próprios limites (logo que eu comecei a sentir os meus) e sua primeira realidade - o corpo. Depois, com o Reiki, fui para um trabalho mais sutil. Contudo, neste momento, confesso que me assustei, pois não me senti à vontade para afirmar que aquele toque tão suave, poderia trazer tantos benefícios como na verdade acredito. Então voltei a trabalhar com o que mais me colocava à vontade e era especial para mim - "a transformação" - modelar, pintar, criar, transformar o barro em esculturas e peças de cerâmica. Com minhas mãos, catando cacos,  e sempre com ternura pois acredito que é esta energia que deve acompanhar a criação, fiz mosaicos.Juntando as mãos de muitas crianças e as minhas, fizemos painéis que ficarão por anos levando a nossa mensagem até o futuro.
  Elas também foram fortes, para carregar pesos e fazer os trabalhos mais desagradáveis quando necessário, como todos nós somos obrigados a fazer. Sempre tive consciência de que nossas mãos são muito especiais. Senti mais fortemente isto, quando há 10 anos atrás, fiquei algum tempo sentindo muita dor, ao fazer com elas tudo que antes fazia, sem problemas. Fui me adaptando e criando novas maneiras de trabalhar, poupando-lhes esforços demasiados. Talvez elas fossem, afinal, mais delicadas do que eu supunha!  Ficou muito claro, que eu e elas precisávamos nos movimentar em outra direção, ou devíamos fazê-lo com maior suavidade ou em outro ritmo. Pode ser que a energia que direcionamos, como uma flecha, precise encontrar seu objeto apropriado, que a receba e a transforme, e lhe dê pleno significado, maior do que apenas quando é lançada a esmo. Fui obrigada a respeitar novos limites e, assim o fazendo, entramos, eu e minhas mãos, novamente em sintonia. Foi neste período, que aprendi a estendê-las para pedir ajuda e ensinar a outros, o belo que elas não podiam mais criar, durante horas seguidas.
   Até hoje, minhas mãos me ajudam a tocar a própria vida. Poucas vezes elas ficaram vazias ou frias. Fiz e ainda faço muitas coisas com elas...
   ....só não pude tocar teu rosto como imaginei e sentir imediatamente as tuas mãos a envolvê-las, como eu gostaria...só não pude colocá-las em teu ombro em sinal de apoio, como eu queria, e sentir teu beijo nelas, como a me dizer o quanto consegues compreender e valorizar o que elas buscam... só não pude sentir tua mão firme e segura buscando a minha, num alegre e decidido convite para seguirmos juntos em busca do que tem maior valor,como eu desejei... no que talvez tenha sido meu último sonho, que em delírio me deixou febril de susto e vida... e que devo aprender a deixar ir...
   Mais uma vez aprendo com minhas mãos...nem tudo está ao alcance delas e no momento que desejamos!

Texto : Vera Alvarenga
Foto : retirada do google imagens.
   

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Carta de uma filha, a seu pai...

Resolvi postar aqui a carta que Juliana, filha do nosso amigo Toninho Scardua escreveu ao pai. É uma despedida e uma homenagem de uma filha amorosa ao pai...
Com respeito e meu carinho, um beijo para vocês.Vera.


Pai...
Uma semana sem você!
Como é difícil encontrar palavras para definir tudo o que você representa para nós. Isso por um lado é muito bom, pois mais uma vez me mostra o tanto de importância e qualidades que você sempre demonstrou ter.
Hoje, mais do que ontem e menos do que amanhã te nomeio LUTADOR. Um lutador constante. Um lutador que teve sempre muito bem definido o seu grande adversário: a própria vida. Digo que foi sua vida pois você lutou contra a pobreza, as barreiras, as dificuldades, as dúvidas, as dívidas e por fim a própria vida. Você foi um cara que desde cedo teve uma historia de luta, mas uma luta com a vida, sempre pelo melhor.
Você veio de uma condição de vida muito simples, que segundo suas próprias estórias, tinha apenas um sapato e um chinelo para dividir com seu irmão mais novo. Algumas vezes iam cada um com um, mas muitas vezes, vocês trocavam para os dois poderem ir de sapatos, enfaixavam um dos pés (para dizerem que estava machucado) e nele colocava um pé do chinelo e no outro pé o sapato. E assim os irmãos iam de pés invertidos para a escola, porém ambos de sapato como queriam. Este primeiro exemplo que me lembro dele ter me contado mostra um pouquinho de tudo aquilo que ele foi, realmente um cara sem limites, em todos os sentidos, para alcançar o que desejava.
Meu pai não se importava de chamar a atenção, ele não se importava de se expor, ele não se importava de fazer trapalhadas ele simplesmente se importava com uma coisa: a sua família. Família esta que Deus quis que se formasse e que meu pai construiu junto com minha mãe, família que em nenhum momento, por mais difícil que fosse, deixou-se abater. Sempre fomos unidos e assim continuaremos, pois aquilo que Deus constrói o tempo não destrói.
A criatividade e a sorte sempre foram suas aliadas em sua luta, luta esta para sempre proporcionar o melhor impossível em primeiro lugar para nós, mas ele nunca, jamais, se esqueceu daqueles que vinham em segundo lugar... sempre tentando agradar e ajudar todo mundo, ele não tinha jeito. Meu pai foi o maior exemplo que se pode ter para o velho termo “frita o peixe e olha o gato”, ele fazia isso como ninguém. Está certo que muitas vezes ele “fritou o gato e olhou o peixe”, mas posso afirmar com toda certeza que tenho em meu coração que em nenhum momento ele fez qualquer coisa, o mínimo que seja para prejudicar alguém.
A sua incomparável alegria de viver encantava e contagiava a todos por perto, e não havia que não deixasse escapar um sorriso com as sacadas dele. Uma pessoa sem igual.
Assim como eu disse para a mamãe, a nossa vida é como um grande e colorido quebra-cabeças, muitas vezes temos peças de uma mesma cor, do mesmo tamanho, mas nunca de um mesmo formato. Assim são as pessoas, muitas podem ser parecidas, porém nenhuma será igual a outra, nenhuma pessoa ocupará o espaço de outra pois estas “peças” são únicas e especiais, portanto insubstituíveis. Meu pai é, foi e sempre será uma dessas pessoas únicas e insubstituíveis, terá sempre seu lugar em nossos corações.
Enfim, a homenagem que eu queria deixar para você meu pai e para todos aqueles que gostam de você é que você foi um grande lutador, e até o último minuto da sua vida eu sei que você lutou com todas as forças que tinha para mostrar a sua bravura e vontade de viver. No entanto, todo grande lutador merece o seu descanso após enfrentar um grande adversário. Você enfrentou meu amigo, sou prova e companheira da sua luta e sei mais ainda que o grande lutador não se importa só com o resultado final do placar, mas sim com a vontade de vencer que faz com que permaneça no ringue até o último segundo antes do anúncio final. Agora, só resta dizer uma coisa: DESCANSE em paz. A sua luta deixou marcas e fez estória e, com certeza, ainda que tenha perdido a sua última grande luta, você é um VENCEDOR.
Esteja onde estiver sei que acompanhou cada palavra que escrevi, assim como cada sentimento que tive ao colocar no papel (ainda que virtual) esta mensagem. Fique em paz e contagie com sua alegria aqueles que aqui ficaram rezando por você, àqueles que aí onde está te receberam muito bem e àqueles que continuarão ao seu lado.

Até qualquer dia.
Com saudades e amor
Sua filha, Juliana




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